Da redação
Hoje pastora, Simone Soares tem uma história de traumas que começa quando ela ainda era um bebê e chega até sua vida adulta ao ser espancada pelo primeiro marido, um pastor.
Simone conta que quando ela tinha apenas seis meses de vida o pai matou sua mãe.
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“Meu pai era policial e matou minha mãe num Natal, quando ela tinha 23 anos. Aconteceu na casa onde morávamos, em Vitória da Conquista (BA). Anos depois, ele me disse que sentia muito ciúme dela e que, mesmo antes do casamento, tinha vontade de matá-la. Ele era alcoólatra e a família da minha mãe já tinha alertado para que ela o deixasse”, lembra.
“Com medo e pressentindo que algo de ruim fosse acontecer, minha mãe pediu que seu irmão —meu tio— a acompanhasse no trajeto entre a casa da minha avó e a nossa casa. Minutos após ele deixá-la no portão, ouviu três tiros: meu pai a trancou no quarto, colocou o guarda-roupa atravessado na porta e atirou. Não pegou em mim porque ela me jogou no berço. Minhas duas irmãs estavam na cozinha brincando”, conta.
O pai de Simone foi preso, mas conseguiu responder o processo em liberdade. Ela foi viveu com a tia até os 5 anos, quando voltou para a companhia do pai que se casou de novo.
Aos 13, Simone foi para Anápolis junto com a tia, cujo marido estava com problema de visão e procurou ajuda para sua cura na Casa de Dom Inácio de Loyola em Abadiânia, onde o médium João de Deus fazia os atendimentos.
Simone conta que o tratamento feito por João de Deus foi em vão por que o tio acabou ficando cego, mas ela sofreu o pior trauma da vida, com abusos físicos e sexuais dentro do centro espírita.
“Quando chegamos lá, João falou para minha tia que eu e minhas irmãs éramos médiuns e passei a realizar atividades na casa, como segurar materiais usados na enfermaria”, conta.
João de Deus
Simone diz que a primeira vez o médium João de Deus, 77, preso preventivamente desde 16 de dezembro de 2018, sob a acusação de praticar mais de uma centena de crimes sexuais, não chegou a estuprá-la, embora a tenha molestado fisicamente.
“Ele abriu a calça, tirou minha blusa e tocou em mim. Não houve estupro, mas ele fez o que quis. Me senti muito mal, mas tinha medo de denunciar uma entidade, como ele era considerado”, lembra.
Depois de um ano, Simone e sua tia foram morar em Goiânia. “Eu estava deprimida, não saía da cama. Mas, cinco anos depois, acabei voltando para Abadiânia. Era como se algo me puxasse para aquele local. Aos 17, resolvi reencontrar o João para conversar com ele e tentar impedir que ele abusasse de outras vítimas. Mas ele veio para cima de mim, e o empurrei. Minutos depois, veio um segurança dele, apontou uma arma para mim e me mandou sair de lá”.
Após esse episódio, Simone conta que foi a uma igreja evangélica e se converteu. “Aos 21, parei de ter medo e comecei a falar com mulheres sobre os abusos. Também procurei a delegacia para denunciar tudo o que sofri com João de Deus, mas a delegada disse que o crime havia prescrito. Mandou deixar pra lá, não mexer com ele”, conta.
Abrigo para vítimas de violência
Há dez anos, Simone começou a escrever um livro, chamado “O Que Deus Fez Por Mim”, onde conta toda a sua história. “Procurei até político para me ajudar a publicá-lo, mas falaram a mesma coisa. Não queriam que eu o denunciasse. Mas ano passado consegui publicá-lo. Quando contei para a minha família toda a verdade, disseram que eu queria aparecer. Então, não tive apoio para seguir com a denúncia”.
Ela diz que ficou feliz que outras mulheres tenham falado sobre o assunto no ano passado, quando algumas vítimas foram à TV. “Depois disso, voltei à delegacia e contei tudo. Minhas irmãs, hoje com 45 e 43, também foram abusadas pelo João de Deus, mas preferem não tocar no assunto”, diz.
Hoje Simone diz que reconstrói a vida ao lado de um namorado da adolescência que reencontrou após duas décadas. Morando em Porto Seguro (BA), a pastora do Ministério Tabernáculo do Avivamento, de 41 anos, recolhe doações para construir um abrigo para mulheres vítimas de violência.
“O objetivo é acolher vítimas de violência. Muitas me procuram para falar sobre isso, fazer denúncias, então senti que precisava ter esse espaço. Preciso de parceria com empresas e psicólogas para atendê-las. Já tenho o terreno e muito material foi doado. Começamos a construir, mas não temos previsão de inauguração
“Trabalho ainda com marketing digital e dou aula de capelania, e preparo as pessoas para fazer trabalhos sociais em presídios e hospitais. Também dou palestras em igrejas ou outros espaços que me convidam, e falo sobre violência doméstica para outras mulheres”, diz.
(Com Guiame/UOL)