Há meses o governo brasileiro vem negando as credenciais para que o embaixador Dani Dayan, indicado por Israel, assuma suas funções no Brasil.
Trata-se de um diplomata preparado escolhido legitimamente por um país amigo, mas contra ele pesa a acusação de defender os assentamentos israelenses na região da Cisjordânia. É um motivo fraco para tamanha descortesia e tanta inabilidade política, argumenta o senador Marcelo Crivella em artigo da Folha.
Os dois países têm laços profundos, que precisam ser preservados. O brasileiro Oswaldo Aranha presidiu a histórica reunião da ONU que criou o Estado de Israel.
Aqui, como em outras partes do mundo, os judeus deram grandes contribuições à ciência e à cultura. Israel é um parceiro importante do Brasil em tecnologia de ponta para a indústria aeronáutica e de defesa, contribuindo inclusive para alguns êxitos da nossa Embraer.
Muitas das acusações que pesam contra Israel decorrem de uma incompreensão de sua situação geopolítica. Com apenas 20 mil quilômetros quadrados, o país é um enclave moderno e democrático em uma região que ainda não adquiriu uma configuração minimamente estável.
No Oriente Médio não estão em jogo apenas disputas fronteiriças ou rivalidades econômicas, mas questões muito mais fundamentais, como a própria existência das entidades políticas.
Guerras de sobrevivência ainda estão na ordem do dia, e não há acordo sobre as regras do jogo. A permanência do atual arranjo regional é cada vez mais incerta.
A própria crença na legitimidade de Estados nacionais laicos, que para nós é natural, é um credo alienígena em sociedades que há mais de mil anos se organizam em torno de uma lei sagrada que governa toda a vida, inclusive a política.
A dificuldade estrutural de Israel, em termos de território e de recursos naturais, precisa ser compensada por uma extraordinária capacidade de defesa e uma doutrina de segurança nacional.
Israel não pode aceitar guerras defensivas, travadas em seu próprio território, pequeno demais. O país não teria sobrevivido caso não fosse capaz de se antecipar a ameaças. Daí tantas controvérsias sobre suas relações
com vizinhos hostis.
Temos dificuldades para entender isso, pois a situação geopolítica do Brasil é completamente diferente. Desconhecemos a sensação de conviver permanentemente com ameaças iminentes à nossa existência.
No século 20, nosso território se expandiu de maneira pacífica e legítima. Graças ao talento e à capacidade de trabalho do Barão do Rio Branco, obtivemos o reconhecimento internacional de nossos direitos sobre 900 mil quilômetros quadrados -45 vezes o tamanho de Israel-, aí incluídas grandes extensões da maior floresta tropical úmida do planeta.
Não temos nenhuma disputa de fronteira com nossos vizinhos, nenhum deles nos ameaça.
Essa excepcional combinação de história e geografia nos permite assumir uma posição de vanguarda em dois temas cruciais para a humanidade no século 21: a preservação da paz e a proteção ao meio ambiente. Esses temas, somados ao direito universal ao desenvolvimento, deveriam ser os aspectos centrais de nossa política externa.
Se quisermos ser reconhecidos como legítimos agentes da paz, precisamos facilitar o diálogo entre as outras nações, especialmente entre aquelas que ainda lutam pela existência em regiões turbulentas.
Além disso, há um movimento na Europa de boicote aos produtos de Israel vindos dos assentamentos. Se isso se espalhar pelo mundo, 500 mil israelenses que vivem na Cisjordânia não terão como sobreviver.
São fazendas comunitárias, vilarejos de fronteira e inclusive cidades como Ariel, com cerca de 45 mil habitantes. Trazer essas pessoas de volta a um país com 20 mil quilômetros quadrados é impossível. Onde iriam morar?
Como conseguir emprego para tanta gente?
A resolução da ONU, da qual o Brasil é entusiasta signatário, que determina o fim dos assentamentos só pode ser levada a sério em condições de paz estável, o que não ocorre nesse momento.
Recusar o embaixador pode ser entendido como uma mensagem de que o Brasil apoia o boicote. Deixar Israel sem embaixador no Brasil não ajuda ninguém.