Da Redação JM Notícia
No fim de 2015, durante o governo Dilma, um projeto de lei de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que autoriza a exploração legal de jogos, recebeu parecer favorável do senador Blairo Maggi (MT), relator na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional. A proposta de Ciro Nogueira estima em R$ 15 bilhões anuais a arrecadação com os jogos de azar. O ministro do Turismo fala em R$ 20 bilhões em arrecadação – algo próximo a 50% do que seria arrecadado com a CPMF. Em tempos de crise nas contas públicas, a cifra fascina.
Tão logo Michel Temer assumiu como presidente interino, o debate sobre a legalização dos jogos de azar voltou. O ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, assumiu publicamente a defesa da legalização de todo tipo de jogo, inclusive bingo, cassino e jogo do bicho. “Hoje o jogo existe de forma clandestina e sem gerar qualquer benefício para o Estado”, disse o ministro. O próprio presidente, afirmou Henrique Eduardo Alves, é favorável à legalização, embora o assunto não tenha sido discutido oficialmente pelo novo governo.
A empolgação em torno dos valores financeiros esconde os riscos enormes dessa aposta – que podem provocar danos irreparáveis para a sociedade, como a proliferação das máfias internacionais do crime. Indo direto à questão da arrecadação, o argumento mais atraente em tempos de deficit fiscal, a experiência que o país já teve com jogos legalizados e a que tem hoje com redes que beiram a clandestinidade, como o caça-níqueis e o jogo do bicho, mostram que a fiscalização desse tipo de negócio é uma ciência fora de nossos domínios.
O problema é mais cultural que de falta de tecnologia de fiscalização. O mundo dos jogos é, tradicionalmente, o mundo das máfias internacionais que atuam com sofisticados mecanismos para escoar o dinheiro movimentado nesses locais por canais paralelos à via legal – terreno fértil para a corrupção. E foi com essa preocupação que a Frente Parlamentar Evangélica emitiu uma nota contrária a liberação dos jogos de azar no país.
Divulgada no dia 30 de agosto, a nota condena abertamente a proposta da liberação dos jogos governo e conclama também os evangélicos a orarem e se manifestarem contra.
Confira abaixo:
Andamento do projeto
A Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional deu início à reanálise do polêmico projeto que amplia o leque dos jogos de azar legalizados no país (PLS 186/2014). Em reunião nesta quarta-feira (24), o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) leu seu relatório sobre o projeto, que faz parte da Agenda Brasil – pauta apresentada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, com o objetivo de incentivar a retomada do crescimento econômico do país. Logo após a leitura do relatório, foi concedida vista coletiva para o projeto, que deve voltar à pauta na próxima reunião.
O projeto já havia sido enviado ao Plenário, mas um requerimento aprovado no início do mês determinou o reexame da matéria na comissão. O requerimento foi apresentado pelo próprio senador Fernando Bezerra Coelho, novo relator do projeto, em substituição ao senador Blairo Maggi (PR-MT), que foi para o Ministério da Agricultura. Bezerra Coelho disse que, após receber sugestões de senadores e de representantes de vários órgãos públicos, percebeu a necessidade de mudanças no texto, principalmente em relação a medidas para coibir a possibilidade de lavagem de dinheiro.
– Essas sugestões buscam aperfeiçoar o texto do substitutivo, no sentido de coibir a lavagem de dinheiro. A ideia é disponibilizar mais recursos para a Polícia Federal, para ter mais condições de fazer fiscalizações, e dar à Caixa Federal um protagonismo maior nos novos jogos de azar – explicou Bezerra.
Com base nas informações da World Lottery Association, o relator apontou que somente no mercado de loterias os jogos movimentaram US$ 400 bilhões em todo o mundo no ano de 2014, dos quais o Brasil teve participação de apenas 1% com as loterias administradas pela Caixa. Para Bezerra Colho, a legalização dos jogos no Brasil pode ser um importante vetor na geração de tributos, emprego e renda.
– O jogo de azar só pode ser admitido quando licitamente puder redistribuir os seus lucros com a sociedade – declarou o relator, acrescentando que o governo pode arrecadar cerca de R$ 29 bilhões em tributos no período de três anos.
Debate
O presidente da comissão, senador Otto Alencar (PSD-BA), elogiou o trabalho dos relatores e destacou a “substância jurídica” da proposta. Na visão do senador, a falta de regulamentação só beneficia quem atua na clandestinidade. O senador Roberto Muniz (PP-BA) admitiu “problemas culturais” na questão dos jogos, mas apontou que o projeto é uma oportunidade de geração de renda. Ele também sugeriu a criação de uma agência reguladora para o setor.
O senador Dário Berger (PMDB-SC) disse que o assunto precisa ser discutido de forma mais profunda e ponderou que a legalização não vai “resolver todos os problemas do Brasil”. Apesar das ressalvas, ele elogiou o relatório apresentado pelo senador Fernando Bezerra Coelho. Na visão do senador Paulo Bauer (PSDB-SC), o projeto é muito importante por permitir a legalização de uma atividade que pode colaborar para geração de emprego. Tanto Bauer quanto Dário Berger questionaram o substitutivo na parte em que estabelece a “preferência” da instalação de cassinos nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
– Não podemos criar essa espécie de discriminação. Senão, será mais fácil alguém de Santa Catarina ir apostar em Buenos Aires do que em Recife – declarou Paulo Bauer.
O senador Telmário Mota (PDT-RR), porém, lembrou que a preferência pelas regiões mais pobres foi um critério usado na instalação dos cassinos nos Estados Unidos. Ele ainda sugeriu que o desporto seja contemplado com uma parte dos recursos arrecadados. Já Simone Tebet (PMDB-MS) se manifestou “radicalmente contra”, por considerar o projeto “intempestivo”. Segundo a senadora, a legalização dos jogos pode colaborar com a sonegação, com a evasão de divisas e com a corrupção política, inclusive dentro do Congresso Nacional. Para a senadora, a melhor forma de aumentar a arrecadação seria um sistema mais criterioso de cobrança dos tributos já existentes.
– Eu penso na relação custo-benefício. O que a população brasileira vai pagar? A sociedade precisa ser ouvida. É provado que onde há jogo há o aumento do vício e da desestruturação familiar – alertou.
Regras
O projeto original é de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI) e libera o funcionamento de cassinos, bingo, jogo do bicho e apostas eletrônicas. Como no texto original, o substitutivo de Bezerra Coelho traz a definição dos tipos de jogos que podem ser explorados, os critérios para autorização, as exigências para os sócios e as regras para distribuição de prêmios e arrecadação de tributos. O substitutivo de Bezerra Coelho também trata das loterias federal e estaduais e do sweepstake – um tipo de loteria relacionada com corrida de cavalos.
A delegação para exploração dos jogos de azar compete exclusivamente à União. A exceção fica por conta do jogo do bicho, cuja delegação ficará a cargo de estados e Distrito Federal. A Caixa Econômica Federal atuará como agente operador, sendo responsável pelo apoio à fiscalização, bem como pela centralização do controle financeiro. O substitutivo também prevê penas e multas para irregularidades e crimes relacionados à exploração dos jogos de azar.
A concessão da exploração de jogos de azar será sempre precedida de licitação. A concessão será de até 20 anos, podendo ser renovada por igual período. Os cassinos vão funcionar junto a complexos turísticos construídos especificamente para esse fim, juntamente com hotéis e restaurantes. O substitutivo estabelece ainda que os cassinos serão explorados, preferencialmente, nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com a finalidade de promover o desenvolvimento econômico e reduzir a desigualdade regional.
Os estabelecimentos que explorarem jogos de azar serão obrigados a identificar o apostador, que deverá apresentar documentação. Qualquer operação com pessoa não identificada fica proibida. Quando o valor da transação for superior a R$ 2 mil reais, o pagamento de apostas e prêmios será efetuado em transferência bancária, por cartão de débito ou crédito, ou qualquer outro arranjo de pagamento autorizado pelo Banco Central e que permita a sua rastreabilidade.
Recursos
O novo texto determina que sobre o prêmio das loterias e de outros jogos incidirá o imposto de renda de 30%. Também institui a Taxa de Fiscalização dos Jogos de Azar, para cobrir os custos de fiscalização. De acordo com o substitutivo, os recursos dos tributos arrecadados na exploração de jogos de azar serão destinados para a seguridade social (93%), para o Fundo Penitenciário Nacional (3%), para a Polícia Federal (2%) e para o Fundo Nacional de Cultura (2%). Na fase de licitação, os recursos arrecadados serão direcionados à saúde.
Os sócios das empresas exploradoras de jogos terão de cumprir uma série de requisitos para o exercício da atividade. O substitutivo estabelece, por exemplo, a restrição a quem tenha sido condenado por crimes eleitorais, para os quais a lei determine pena privativa de liberdade. O limite de três cassinos por estado, previsto no texto anterior, não consta no substitutivo de Bezerra Coelho.
Somente será permitida a exploração do bingo em municípios com mais de 100 mil habitantes. Assim, só haverá uma outorga para municípios com mais de 100 mil e menos de 300 mil habitantes. A partir desse número, haverá uma outorga por cada 300 mil habitantes. O texto deixa claro, porém, que os bingos filantrópicos ou beneficentes, de caráter eventual, não estarão submetidos à nova legislação.