Por Leila Maria Lopes da Silva
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A Lei Maria da Penha (Lei no 11.340/2006) surgiu da iniciativa popular, devido uma grande
pressão sofrida pelas mulheres, recebeu esse nome como forma de homenagear a pessoa
símbolo dessa luta, Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica, que sobreviveu a
duas tentativas de assassinato por parte do ex-marido, ficou paraplégica, devido a isso se
engajou na luta pelos direitos da mulher e na busca pela punição dos culpados.
O Brasil até então, não tinha uma Lei específica que protegesse a mulher, por esse motivo se formalizou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que deu origem a condenação para que fosse produzida uma lei com a finalidade de proteger a mulher vítima da violência doméstica.
Em 07 de agosto de 2006 a Lei no 11.340 entrou em vigor, e se apresentou como instrumento inovador para o poder público intervir nas situações de violência, oferecendo medidas protetivas, e procurando evitar que os atos violentos se intensifiquem, bem como haja mais danos psicológicos, morais, sociais, físicos e patrimonial às mulheres.
Sob essa perspectiva, a Lei vem reforçar que “Briga de marido e mulher se mete a colher sim” a fim de compreender as desigualdades existentes dentro dos relacionamentos.
De acordo com a Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, conforme definido no artigo 5o da Lei Maria da Penha.
De acordo com estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mulheres já
foram agredidas fisicamente pelo seu parceiro em algum momento de suas vidas, e há uma
variação entre 10% e 52% em 10 países pesquisados. No Brasil, estima-se que cinco mulheres são espancadas a cada 2 minutos, o parceiro – marido, namorado ou ex – é responsável por mais de 80% dos casos reportados.
O Tocantins nos primeiros cinco meses do ano, registrou mais de 1.400 casos de violência
contra a mulher. São ameaças, lesões corporais, estupros, tentativas de assassinato e mortes.Ao todo, 17 mulheres perderam a vida neste período. Conforme levantamento da Secretaria de Segurança Pública, as ameaças lideram o ranking de ocorrências, com 903 casos registrados.
Em seguida vem a lesão corporal dolosa, ou seja, intencional, com 376 denúncias oficializadas.
Já o estupro está em terceiro lugar, com 107 casos consumados e 16 tentativas. A estatística ainda mostra a faixa etária das vítimas. Na maior parte dos casos, são mulheres de 35 a 64 anos, mas as histórias se repetem com mulheres de todas as idades.
Dos casos de violência registrados em 2014 pela Central de Atendimento à Mulher “Ligue 180”, mostra-se que 80% das vítimas tinham filhos, sendo que 64,35% deles presenciavam a violência, e 18,74% eram vítimas diretas junto com as mães.
Mesmo com os dados alarmantes, diversas vezes, essa gravidade não é devidamente denunciada, em virtude dos mecanismos históricos e culturais que geram e mantêm desigualdades entre homens e mulheres e alimentam um pacto de silêncio e conivência com estes crimes.
O Ministério Público, através do Núcleo Maria da Penha, desenvolve o Projeto “Anjos da
Guarda”, objetivando orientar alunos do ensino fundamental sobre a não violência e torná-los multiplicadores nos seus lares, por meio desse projeto se observou que existem os filhos da violência de gênero e que muitos pedem socorro.
Durante o desenvolvimento do projeto, através de depoimentos dos alunos, foi possível constatar que a violência doméstica não é decorrente apenas de um problema familiar, mas também são reflexos de uma educação, patriarcal, rígida e discriminatória que cria desigualdades nas relações.
Esses reflexos que geram as desigualdades de gênero, que definem os comportamentos
femininos e masculinos tidos com socialmente adequados. Por todas essas questões e construções culturais ensinadas equivocadamente, vimos que a sociedade e as instituições educacionais, precisam estarem atentas para tratar essa problemática que afeta não só a mulher, mas toda família.
Contudo os educadores e a família, núcleo primordial de educação, precisam ter uma “ferramenta” básica para orientar, tirar as dúvidas sobre a questão do gênero diariamente, bem como modificar a mentalidade que a grande maioria ainda tem, como por exemplo, “Futebol é para meninos” e “Brincar de boneca é para meninas”. O trabalho de cuidar da casa e dos filhos não deveria ter gênero, o que se deve ter é a preocupação de saber qual a melhor maneira de apoiar o casal em suas duplas obrigações no emprego e no lar.
Da mesma, forma como ocorre com a separação de tarefas, a tradição não deveria ser utilizada para justificar a opção de brinquedos, brincadeiras e esportes ou até mesmo condutas. No entanto, é necessário que não fique só no discurso, se a intenção é dar uma educação igualitária em relação ao gênero, precisamos praticar diariamente.
É importante trabalhar com as crianças, desde da educação infantil para elas questionarem a linguagem e os comentários preconceituosos, como frases, e até atributos contendo sexismo, tipo a clássica “Já pode casar” quando uma menina demostra alguma competência com tarefas domésticas.
Por mais “inofensivos” que possam aparentar algumas expressões aplicadas, elas trazem um “peso” moral de valores ligados à nossa herança cultural. Conforme acentua Chimamanda (2017, p.96) “As mulheres, na verdade, não precisam ser defendidas ou reverenciadas; só precisam ser tratadas como seres humanos iguais”.
A violência doméstica e familiar precisa fazer parte de uma educação contínua, onde homens e mulheres sejam educados para respeitar o ser humano não importando qual seu gênero. De acordo com a Constituição Federal em seu artigo 5o, inciso I, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
A sociedade sofre transformações, e a família como núcleo primordial de educação não pode apenas delegar suas atribuições para a escola, ambas são responsáveis pelas ações
formativas repassadas para as crianças.
*Leila Maria é Psicopedagoga, da equipe Multidisciplinar do Núcleo Maria da Penha/ Ministério Público-Palmas-To.