Em um comunicado divulgado nesta sexta-feira, 19, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), em conjunto com diversas entidades e lideranças, expressou sua preocupação e desacordo em relação ao Documento Referência da Conferência Nacional de Educação (CONAE) destinado à elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2024 a 2034.
A convocação extraordinária da CONAE foi efetuada por meio do Decreto Lei 11.697/23, com a conferência programada para ocorrer de 28 a 30 de janeiro de 2024 em Brasília – DF, sob o tema “Plano Nacional de Educação 2024-2034: Política de Estado para assegurar a educação como um direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável”.
Segundo a ANAJURE, o Documento Referência, elaborado pelo FNE (Fórum Nacional de Educação), desempenha um papel crucial ao orientar as deliberações da CONAE, culminando na elaboração do PNE 2024/2034. Contudo, a associação alega que o documento apresenta desvios da imparcialidade esperada das políticas de Estado, propondo concepções ideológicas radicais e controversas para a educação nacional.
A manifestação pública destaca trechos específicos do Documento Referência que, segundo a ANAJURE, demonstram uma inclinação ideológica partidária, indo de encontro às disposições da legislação nacional e à vontade da maioria da população. Críticas aos governos anteriores e alegações de políticas retrógradas foram apontadas como exemplos dessa postura.
A associação expressa sua preocupação com a possível imposição de ideias como a Ideologia de Gênero no sistema educacional, bem como críticas à liberdade religiosa das Escolas Confessionais. Além disso, são mencionados pontos problemáticos, como a desqualificação das escolas privadas, apoio à promoção de formação em direitos humanos por “coletivos e movimentos”, críticas ideológicas ao agronegócio e avaliação ideológica de desempenho dos professores.
“Pontua-se que, como dito, enquanto que o atual PNE, por decisão democrática, calou-se no que diz respeito à ideologia de gênero, o Documento Referência é repleto de menções a tal construto teórico. A valorização, o debate e a promoção da diversidade de orientações sexuais é algo continuamente incentivado ao longo do texto, repercutindo em suas proposições e estratégias para o PNE“.
O comunicado conclui com a ANAJURE manifestando seu compromisso em defesa dos direitos fundamentais, especialmente a liberdade religiosa e educacional. A associação convoca os delegados da CONAE 2024 e os representantes do Congresso Nacional à mobilização para a elaboração coerente do PNE 2024-2034, com a revisão dos trechos considerados problemáticos. A ANAJURE informa que participará como observadora na CONAE 2024 e encaminhará a manifestação às autoridades responsáveis.
O documento é assinado pela presidente da ANAJURE, Dra. Edna V. Zilli, e conta com o apoio de líderes como o Senador Carlos Viana, presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Senado Federal, o Deputado Federal Silas Câmara, presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, o Reverendo Mauro Meister, Diretor Executivo da ACSI Brasil, e o Mestre Roberto Rinaldi Jr, presidente da AECEP.
DOCUMENTO NA ÍNTEGRA:
A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), juntamente com as entidades e lideranças subscritoras, emite à sociedade brasileira a presente Manifestação Pública sobre o teor do Documento Referência da Conferência Nacional de Educação para a elaboração do Plano Nacional de Educação 2024-2034
1) Síntese fática
Em 12 de setembro, foi publicado o Decreto Lei 11.697/23, convocando extraordinariamente a Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2024, agendada para ocorrer de 28 a 30 de janeiro de 2024 em Brasília – DF. O tema central é “Plano Nacional de Educação 2024-2034: Política de Estado para assegurar a educação como um direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável”.
O Plano Nacional de Educação (PNE) é um instrumento de fundamental importância para a educação brasileira, na medida em que fundamenta as políticas educacionais que vigorarão no território nacional pela próxima década. Assim, uma vez estruturado, necessita de aprovação pelo Congresso Nacional e, respectivamente, de sanção pela Presidência da República.
A conferência citada será promovida pelo Ministério da Educação (MEC), tendo sido precedida por conferências estaduais, distritais e municipais, coordenadas pelo Fórum Nacional de Educação (FNE). O evento visa contribuir para a apresentação do novo PNE, válido pelo decênio 2024-2034.
Além de diagnosticar a situação educacional, seus resultados incluirão diretrizes, metas e estratégias para a próxima década. A CONAE tem objetivos específicos, como avaliar a implementação do PNE atual, subsidiar a elaboração do próximo PNE 2024-2034 e contribuir para identificar desafios e necessidades educacionais.
Adicionalmente, a conferência gerará referências para orientar a formulação e implementação de planos de educação estaduais, distrital e municipais, alinhados com o PNE 2024-2034.
A CONAE, conforme disposto no art. 2º do Regimento Geral da CONAE (RGC), “possui caráter deliberativo e apresentará um conjunto de propostas para subsidiar a apresentação e a implementação do novo Plano Nacional de Educação – PNE […]”. Para tanto, de acordo com o art. 1º, § 1º, do RGC, o debate será “orientado pelo Documento Referência”[1].
Desse modo, o Documento Referência, elaborado pelo FNE, detém sua importância no fato de que servirá para orientar as deliberações da CONAE, culminando, a partir da consolidação do Documento-base, objeto da deliberação final da conferência, na elaboração do PNE 2024/2034. Pontua-se que o Documento Referência se encontra dividido em sete eixos, que apresentam uma contextualização conceitual e histórica de cada temática. Após a elucidação de cada eixo, existem as respectivas proposições, aptas a consolidarem os assuntos abordados. Por fim, para cada proposição, é elencado um conjunto de estratégias com a finalidade de colocá-las em prática. Os eixos são os seguintes:
- Eixo 1 – O PNE como articulador do Sistema Nacional de Educação, sua vinculação aos planos decenais estaduais, distrital e municipais de educação, em prol das ações integradas e intersetoriais, em regime de colaboração interfederativa;
- Eixo 2 – A garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade social, com acesso, permanência e conclusão, em todos os níveis, etapas e modalidades, nos diferentes contextos e territórios;
- Eixo 3 – Educação, Direitos Humanos, Inclusão e Diversidade – equidade e justiça social na garantia do direito à educação para todos e o combate às diferentes e novas formas de desigualdade, discriminação e violência;
- Eixo 4 – Gestão democrática e educação de qualidade – regulamentação, monitoramento, avaliação, órgãos e mecanismos de controle e participação social nos processos e espaços de decisão;
- Eixo 5 – Valorização de profissionais da educação – garantia do direito à formação inicial e continuada de qualidade, ao piso salarial e carreira e às condições para o exercício da profissão e saúde;
- Eixo 6 – Financiamento público da educação pública, com controle social e garantia das condições adequadas para a qualidade social da educação, visando à democratização do acesso e da permanência; e
- Eixo 7 – Educação comprometida com a justiça social, a proteção da biodiversidade, o desenvolvimento socioambiental sustentável para a garantia de uma vida com qualidade no planeta e o enfrentamento das desigualdades e da pobreza.
Segundo o próprio Documento Referência (p. 15), “tais eixos buscam reunir as necessárias diretrizes, estratégias, proposições e ações indispensáveis para conformação de políticas de Estado para a educação nacional, tendo por referência as lutas históricas, movimentos e produções encaminhadas pela sociedade e governos que ratificam uma visão democrática e republicana de educação para o país […]”.
De igual forma, menciona (p. 14), “é tarefa de todos e todas, portanto, reafirmar a defesa da democracia, da vida, dos direitos sociais e da educação e, neste contexto, de políticas democráticas de Estado, por meio da construção de um projeto de nação soberana e de Estado Democrático, ancorado em um PNE fruto de amplo pacto social”.
O Documento Referência, como visto, ressalta diversas vezes a necessidade de elaborar concretas políticas de Estado para a educação nacional no PNE, que, como consequência, não deverão ser alteradas pela natural modificação política de futuros governos.
Todavia, o Documento Referência afasta-se da imparcialidade esperada das políticas de Estado. O Documento propõe para a educação nacional a imposição de concepções ideológicas radicais e controversas, contrárias às presentes disposições da legislação nacional e à vontade da parcela majoritária da população. Em diversos trechos, o Documento manifesta predileções partidárias–ideológicas, adotando tom mais condizente com propostas partidárias de governo do que com um documento estatal que objetiva orientar a elaboração de políticas públicas. Cite-se, a título exemplificativo, os seguintes trechos:
- “Adicionalmente, como em tantas outras políticas públicas, as políticas de educação sofreram com agudos processos de mudança, desmonte e reconfiguração, bem como com cortes brutais de investimentos. Tudo isso fruto de uma política retrógrada de governos que se sucederam entre os anos 2016 a 2022” (p. 12).
- “Os retrocessos na agenda nacional, iniciados no governo Temer e aprofundados na gestão Bolsonaro, acentuaram políticas, programas e ações neoliberais, ultraconservadoras, como expressões hegemônicas do ideário da extrema direita” (p. 12).
- “De tal forma que se consolidou-se como espaço estratégico em defesa do Estado democrático de direito e de contraposição aos inúmeros retrocessos produzidos a partir do golpe de 2016” (p. 14).
- “Na mesma linha, se faz urgente a contraposição efetiva do Estado, nas suas diversas esferas federativas, às políticas e propostas ultraconservadoras, garantindo a desmilitarização das escolas, o freio ao avanço de processos e tentativas de descriminalização da educação domiciliar (homeschooling); às intervenções do movimento Escola Sem Partido e dos diversos grupos que desejam promover o agronegócio por meio da educação” (p. 58).
- “Dessa forma, é necessário garantir que as reformas educacionais não cedam a pressões reducionistas de interesses privados e oriundas de um modelo que enxuga o papel do Estado, como as agendas neoliberais que cresceram nos últimos anos no campo educacional” (p. 58).
- “No entanto, a virada conservadora, e governos de extrema direita, tomaram as pautas da diversidade, como um ataque direto às pautas de “costumes” gerando retrocessos nos campos político, jurídico e social” (p. 106).
O documento, contudo, não se limita a trazer trechos de teor ideológico-partidário no tocante à política nacional. Em diversos momentos, o texto insere disposições e conceituações que buscam institucionalizar nas políticas públicas educacionais a chamada “ideologia de gênero” (abordagens pós-estruturalistas e queer aplicadas a questões de sexualidade e gênero) e perspectivas restritivas da laicidade que ocasionaram graves violações à liberdade religiosa das escolas confessionais.
2) Ideologia de Gênero
É mister destacar que a Constituição Federal prevê que a educação é um dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade (art. 205, CF), tendo como princípios, dentre outros, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II, CF); o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III, CF) e a gestão democrática do ensino público (art. 206, IV, CF). Tais princípios são reproduzidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 3º).
Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aponta como dever da família, da comunidade e da sociedade em geral assegurar a efetivação dos direitos referentes à educação, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (art. 4º, ECA).
Destaca-se, mais, que compete aos diferentes entes federados a elaboração de políticas públicas em matéria de educação (art. 22, XXIV; art. 24, IX, CF), cabendo à União a coordenação da política nacional de educação (art. 8º, § 1º, LDB) e a elaboração do Plano Nacional de Educação (art. 9º, I, LDB). Aos Estados (art. 10, III, LDB) e Municípios (art. 11, I, LDB), cabe elaborar e executar políticas e planos educacionais específicos, de acordo com o plano nacional.
Assim, destacamos a elaboração da Lei nº 13.005/2014, o Plano Nacional de Educação, na qual o Congresso Nacional, legítimo representante do Povo brasileiro, democraticamente rejeitou o estabelecimento da ideologia de gênero no Plano Nacional de Educação, por certo carregada de uma semântica ideológica que não corresponde aos mores maiorum civitatis da nação brasileira. Esta foi uma legítima e democrática opção do Legislador nacional.
A tentativa de impor aos estudantes – crianças e adolescentes – novas teorias que repercutem nos valores morais da sociedade brasileira suscita sérias reflexões sobre sua aplicabilidade no Sistema Nacional de Educação. Em primeiro lugar, sobre a teoria de gênero em si, pelo seu caráter controverso e que exige uma ampla e profunda discussão sobre suas premissas, fundamentação científica, conclusões, e limites de aplicabilidade. Ademais, há que se considerar, de igual modo, os limites entre as responsabilidades de família e escola na educação das crianças sobre temas morais.
Os principais tratados, pactos e declarações de direitos humanos internacionais estabelecem que é tarefa da família a formação moral das crianças e adolescentes[2]. Trata-se, portanto, de um direito humano fundamental assentado no princípio da dignidade da pessoa humana[3]. Assim, a mera tentativa de o Estado imiscuir-se em assuntos da órbita privada e familiar dos indivíduos já se configura em grave violação de direito.
A ideia de uma prevalência estatal diante de assuntos sobre os quais, frise-se, os pais devem preponderar, demonstra uma desvirtuação do papel do Estado, que, ao extrapolar a esfera política, sufoca a soberania parental em matérias que a própria legislação deixou ao alvedrio da família. A teoria de gênero, portanto, contraria um costume e direito já consolidado na sociedade brasileira e em todo o mundo: a primazia dos pais na educação moral – e aqui se incluem ensinos sobre sexualidade – dos filhos.
Nobres propósitos de combater preconceitos jamais poderão justificar a prática de abusos contra crianças – pessoas em desenvolvimento, que demandam proteção integral (art. 6º, do ECA e art. 227, da CF/88) – e o desrespeito ao direito dos pais na formação moral dos filhos.
Pontua-se que, como dito, enquanto que o atual PNE, por decisão democrática, calou-se no que diz respeito à ideologia de gênero, o Documento Referência é repleto de menções a tal construto teórico. A valorização, o debate e a promoção da diversidade de orientações sexuais é algo continuamente incentivado ao longo do texto, repercutindo em suas proposições e estratégias para o PNE. Dentre os trechos identificados, pode-se citar:
- 69. O Sistema Nacional de Educação deve prover, ademais:
- 94. y) condições institucionais que permitam o debate e a promoção da diversidade étnico-racial, de gênero e orientação sexual, por meio de políticas de formação e de infraestrutura específicas para este fim.
- 205. 3.1. Garantir, na instituição do SNE, condições institucionais que assegurem uma educação que contemple o respeito aos direitos humanos como premissa de formação cidadã, tendo como perspectiva o direito à diversidade e à acessibilidade, e formação para a educação em direitos humanos, sob orientações curriculares articuladas de combate ao racismo, ao sexismo, ao capacitismo, à LGBTQIAPN+fobia, à discriminação social, cultural, religiosa, à prática de bullying e a outras formas de discriminação e de violências no cotidiano educacional, para o debate, o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial, de gênero e de orientação sexual, por meio de políticas pedagógicas e de gestão específicas para este fim.
- 206. 3.2. Implementar estruturalmente uma política educacional antirracista, anti-LGBTQIAPN+fobia e anticapacistista no SNE.
- 590. 10.17. Garantir a realização do registro da autodeclaração dos(das) adolescentes acerca da cor/raça, bem como a identidade de gênero e orientação sexual.
- 640. A defesa do direito à educação está atrelada à defesa dos direitos humanos de diferentes grupos, coletivos e movimentos, entre eles feministas, indígenas, negros, quilombolas, LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, TGD, altas habilidades/ superdotação, ambientalistas, para a construção de cultura e ambiente educativos negros e antirracistas, com igualdade de gênero, anticapacitistas, de convivência inter-religiosa, e superação de toda forma de fundamentalismo, sexismo, misoginia, LGBTQIAPN+fobia, segregação, discriminação, entre outros.
- 661. 1.2. Prover a oferta de formação inicial e continuada dos profissionais da educação básica voltada para a educação das relações étnico-raciais, educação escolar indígena, educação ambiental, educação do campo, educação de jovens e adultos, educação especial na perspectiva inclusiva, gênero e orientação sexual, com recursos públicos e por meio de programas e políticas pensados pelo Estado.
- 669. 2.4. Inserir na avaliação de livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), de maneira explícita, critérios eliminatórios para obras que veiculem preconceitos à condição social, regional, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, identidade de gênero, linguagem, condição de deficiência ou qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos humanos.
- 701. 2.6. Inserir e implementar na política de valorização e formação dos(as) profissionais da educação, a discussão de raça, etnia, gênero e diversidade sexual, na perspectiva dos direitos humanos, adotando práticas de superação do racismo, machismo, sexismo, LGBTQIAPN+fobia, capacitismo, e contribuindo para a efetivação de uma educação antirracista, e não LGBTQIAPN+fóbica.
- 706. 2.11. Incentivar e apoiar financeiramente pesquisas sobre gênero, orientação sexual e identidade de gênero, relações étnico-raciais, educação ambiental, educação quilombola, indígena, dos povos do campo, dos povos da floresta, dos povos das águas, ciganos, educação das pessoas com deficiência, TGD, altas habilidades e superdotação, pessoas jovens, adultas e idosas, inclusive aquelas em situação de privação de liberdade e diversidade religiosa.
- 712. 2.17. Desenvolver e ampliar programas de formação inicial e continuada em sexualidade e diversidade, visando a superar preconceitos, discriminação, violência sexista e LGBTQIAPN+fobia no ambiente escolar, e assegurar que a escola seja um espaço pedagógico livre e seguro para todos(as), garantindo a inclusão e a qualidade de vida.
- 719. 2.24. Desenvolver políticas e programas educacionais, de forma intersetorial, que visem à implementação do PNE, em articulação com as Diretrizes Curriculares Nacionais, com o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBTQIAPN+, a Lei Brasileira de Inclusão e Estatuto da Igualdade Racial.
- 723. 2.28. Desenvolver ações conjuntas e articuladas pelo diálogo e fortalecimento do FNE com as diferentes Comissões Nacionais, da Igualdade Racial, Direitos Humanos, Educação Escolar Indígena, Educação do Campo, EJA, educação especial na perspectiva de Educação Inclusiva, LGBTQIAPN+, dentre outros.
- 726. 2.31. Estimular a criação de linhas de pesquisa nos cursos de pós-graduação do Brasil que visem ao estudo da diversidade étnico-racial, ambiental, do campo, de gênero e orientação sexual.
- 1104. 1.6. Estabelecer ou reorientar diretrizes curriculares para a educação básica e superior, de redes públicas e privadas, dirigidas ao alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU) […].[4]
- 1106. 1.8. Garantir o cumprimento, até o terceiro ano de vigência do PNE 2024/ 2034, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (Resolução CNE/ CP nº 2/ 12) e da Lei da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999).[5]
- 1123. 2.2. Efetivar a transversalidade da EDH nas políticas públicas, estimulando o desenvolvimento institucional e interinstitucional das ações previstas no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) nos mais diversos setores […].[6]
3) Liberdade religiosa das Escolas Confessionais
O Documento Referência menciona em múltiplos momentos sobre a proteção da laicidade. Todavia, questiona-se a abrangência de significado que o termo possui à luz da construção do texto como um todo. Afinal, é dito que se deve: “assegurar o princípio de laicidade nos sistemas educacionais por meio das políticas públicas de ensino de acordo com a Constituição Federal de 1988”. Entretanto, posteriormente, é ressaltado que:
- 254. Um Estado laico é uma manifestação do secularismo em que o governo estatal mantém uma posição oficial de imparcialidade em relação a assuntos religiosos, não demonstrando apoio ou oposição a qualquer religião. A educação pública, portanto, deve seguir o preceito fundamental da laicidade. As instituições educacionais privadas ou comunitárias podem qualificar-se como confessionais, atendidas a orientação confessional e a ideologia específicas, o que não dá o aval de a educação qualificar-se como doutrinária.
- 665. Uma educação democrática que reconheça e valorize o respeito à diversidade, que garanta os direitos humanos e se paute na justiça social, exige que os níveis, etapas e modalidades da educação básica, bem como a educação superior, se pautem pelo princípio da laicidade, entendendo-o também como um dos eixos estruturantes de uma educação pública e democrática. Desde os projetos político-pedagógicos e planos de desenvolvimento institucionais, até o cotidiano das instituições de ensino, da gestão e da prática pedagógica, a laicidade é um princípio constitucional, fundante da educação com qualidade social, pública, gratuita e inclusiva para todas as pessoas. Nenhum projeto, política ou instituição educacional pode se pautar no proselitismo e na intolerância religiosa.
É necessário compreender o significado de laicidade e sua repercussão para as escolas confessionais. Matéria relevante, sobre esse ponto, analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, versa sobre a manutenção do ensino religioso confessional em escolas públicas através do julgamento da ADI 4.439. O STF reconheceu que o art. 210, § 1º, da Constituição Federal, autoriza o ensino religioso confessional nas escolas públicas; bem como estipula o fato de as crianças e os adolescentes possuírem direito subjetivo ao ensino religioso, de matrícula facultativa, como disciplina dos horários normais das escolas públicas de nível fundamental, ministrado conforme suas confissões religiosas.
Menciona-se que a Suprema Corte brasileira procedeu de modo correto, uma vez que não se pretende, em nenhum momento, a supremacia de determinada denominação religiosa, mas tão somente o direito à liberdade de consciência e de religião, expressa por meio da educação através das instituições de ensino confessionais e do ensino religioso, que detém dimensão doutrinária voltada a uma religião específica, sendo o componente intelectual da formação religiosa.
É preciso distinguir entre laicidade (laicidade positiva ou aberta) e laicismo (laicidade restritiva). A laicidade, como dito, impõe ao Estado não só uma obrigação negativa, mas também positiva. No aspecto negativo, significa que este não pode promover ou subvencionar uma religião em detrimento das outras, adotar determinada confissão como oficial, ou impedir a manifestação de qualquer visão religiosa. No viés positivo, por sua vez, a laicidade impõe ao Estado o dever de garantir, a todas as confissões religiosas, a sua expressão, seja esta privada ou pública. Portanto, ao garantir o ensino religioso nas escolas, o Estado de forma alguma viola o seu caráter laico; pelo contrário, garante-o.
Essa laicidade positiva frente ao fenômeno religioso, adotada pela Constituição Federal em seu art. 19, I, difere do laicismo, que se manifesta enquanto proceder caracterizado pela perseguição e restrição da religiosidade, que busca reduzi-la ao espaço privado da vida humana. Dessa forma, dizer que as instituições privadas e comunitárias que se qualificam como confessionais não podem “doutrinar” e, como consequência, realizar o “proselitismo” é uma nítida violação à liberdade religiosa, garantida no art. 5º, VI, da Constituição Federal, e da liberdade de ensino dessas instituições (art. 19, §1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
4) Outros problemas
Além da ideologia de gênero e de políticas laicistas em relação ao ensino religioso nas escolas públicas e privadas, outros pontos do Documento Referência se apresentam como problemáticos à luz do estipulado no texto. Menciona-se: conselhos e comitês fiscalizadores; desqualificação das escolas privadas e de suas liberdades constitucionais; apoio à promoção de formação em direitos humanos a partir “coletivos e movimentos” nas instituições de ensino; críticas ideológicas ao agronegócio; avaliação ideológica de desempenho dos professores; dentre outros:
- 1.12 Consolidar, na lei do SNE e, em consequência, nas leis e regulamentos próprios dos respectivos sistemas, os conselhos nacional, estaduais, distrital e municipais, plurais e autônomos, com funções deliberativas, consultivas e propositivas, fiscalizadoras e de controle social, dispondo de dotações orçamentárias específicas nos orçamentos públicos de cada esfera administrativa, asseguradas em sua composição, necessariamente, as representações de dirigentes da educação, básica e superior, dos(as) trabalhadores(as)/ profissionais da educação vinculados à educação básica e superior (pública e privada), conselhos de educação, das entidades nacionais representativas com atuação na política de gestão e formação de trabalhadores/ profissionais da educação, das entidades representativas de estudos e pesquisas em educação, dos conselhos estaduais/ distrital e municipais de educação, das entidades representativas de estudantes e de movimentos sociais em defesa da educação, sem prejuízos de outras institucionalidades.
- 571.9.6. Estabelecer políticas direcionadas ao acompanhamento, supervisão e avaliação da EaD, visando resguardar a qualidade da oferta e combater todas as formas de desqualificação da educação e de financeirização, privatização, terceirização e transferência de responsabilidades do Estado na educação à iniciativa privada, e contra todos os ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários de seus profissionais.
- 641. Especialmente no Brasil pós-pandemia, e pós governo de extrema direita, durante os últimos anos, o que se viu foi a não efetivação de um conjunto de políticas e diretrizes voltadas à garantia da educação inclusiva, e um ataque sistemático à diversidade e a todos os seus movimentos e coletivos, na contramão das suas principais lutas e avanços sociais conquistados (…) Na educação, materializaram-se um conjunto de políticas educacionais de base ultraconservadoras como a educação domiciliar (homeschooling), militarização das escolas, e intervenções do movimento Escola Sem Partido, do agronegócio e retomada da privatização da educação.
- 883. É necessário superar a ideia, posta em prática em alguns estados e municípios, de modificar os planos de carreira em função do piso salarial para introduzir remuneração por mérito e desempenho, em detrimento da valorização da formação continuada permanente e da titulação ou, ainda, de vincular a remuneração a resultados de desempenho dos educandos e professores nas avaliações internas e externas em âmbito municipal, estadual, distrital, federal e internacional, nos testes próprios ou nacionais.
- 887. […] Os princípios que devem orientar a formação de professores(as) da educação básica e da educação superior são necessariamente os mesmos, independentemente do lócus dessa formação, seja nas IES públicas ou nas IES privadas.
- 1126. 2.5. Instituir, impulsionar e apoiar, em todas as instituições educativas do país, programas e ações de formação em direitos humanos de diferentes grupos, coletivos e movimentos, visando a constituir valores e ambientes educativos e sociais baseados no antirracismo, na igualdade de gênero, na proteção e atenção às mulheres, no respeito e valorização da diversidade, na convivência com outras nacionalidades, etnias e religiões, na cultura da paz e do diálogo, na redução da violência e todos os tipos de preconceito e discriminação.
5) Conclusão
Ex positis, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos, em seu compromisso em defesa dos direitos fundamentais, em especial, a liberdade religiosa e educacional, juntamente com a demais instituições representadas, manifesta-se nos seguintes termos:
a) Ressalta a preocupação com as diretrizes, metas, proposições e estratégias apresentadas no Documento Referência para a elaboração do Plano Nacional de Educação 2024-2034, especialmente no que se refere aos apontamentos contrários à liberdade religiosa das escolas confessionais e à tentativa de adoção e institucionalização de teorias críticas e pós-estruturalistas de gênero no sistema educacional brasileiro;
b) Convoca os delegados da CONAE 2024 e os representantes do Congresso Nacional à mobilização e adoção das medidas necessárias à elaboração coerente do Plano Nacional de Educação 2024-2034, que respeite direitos e garantias fundamentais, com a consequente revisão dos trechos problemáticos destacados na presente manifestação;
c) Informa que participará como observadora na CONAE 2024 para o acompanhamento da atual situação, bem como encaminhará a presente manifestação às autoridades responsáveis e representantes pertinentes.
Brasília-DF, 19 de janeiro de 2024.
Dra. Edna V. Zilli Presidente da ANAJURE | |
Sen. Carlos Viana Presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Senado Federal | Dep. Fed. Silas Câmara Presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional |
Rev. Mauro Meister Diretor Executivo da ACSI Brasil | MSc. Roberto Rinaldi Jr Presidente da AECEP |
Equipe do Programa de Apoio a Instituições de Ensino Confessionais (PAIEC) da ANAJURE:
Dr. Matheus Carvalho – Diretor Executivo da ANAJURE
Dr. Leonardo Balena – Coordenador Jurídico da ANAJURE
Dra. Gabriela Moura – Coordenadora do Departamento de Apoio a Instituições de Ensino Confessionais
Dra. Melina Marinho – Coordenadora do Departamento de Apoio a Instituições de Ensino Confessionais
Dra. Vivian Ribeiro Madsen – Advogada
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[1]https://www.gov.br/mec/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conferencias/conae-2024/documento-referencia.pdf
[2] Por exemplo: o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prescreve em seu artigo 13 que o direito dos pais de direcionar a educação moral dos filhos de acordo com as suas próprias convicções se enquadra no direito humano fundamental à liberdade, demandando respeito e proteção. De igual modo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 12, item 4, estabelece que: “Artigo 12.4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.
[3] A Constituição Federal, da mesma forma, é enfática ao reconhecer a família como sendo a base da sociedade, devendo ser respeitada sua primazia na educação, inclusive moral, dos filhos menores (arts. 226, 227 e 229).
[4] A citação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, no objetivo 5 (igualdade de gênero), salienta, no tópico 5.6, o “acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos”.
[5] Potencialmente problemático, visto que tais diretrizes, em seu art. 14, I, ressaltam a necessidade de contemplar, no âmbito curricular da educação ambiental, questões relativas à pluralidade sexual.
[6] O plano mencionado, na p. 33, ponto 9, ressalta a inclusão no currículo escolar de temáticas relativas à orientação sexual e identidade de gênero.
Foto: FNE/ Os coordenadores das Comissões de Sistematização e Divulgação e Mobilização apresentam ao Ministro Camilo Santana os resultados do processo de construção da CONAE2024 que acontecerá entre 28 e 30 de janeiro, em Brasília.