Por Rodrigo Meyer Bornholdt
Recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou tendência já existente no STJ (Superior Tribunal de Justiça) segundo a qual as empresas jornalísticas são responsáveis pela verificação de ofensas imputadas a terceiros por entrevistados. Antes de mais nada, convém pontuar que uma análise sobre a questão exige um providencial distanciamento das paixões que emanam de um ambiente polarizado, sobretudo em um momento em que as discussões sobre liberdade de expressão e fake news estão em voga.
Os contornos do caso concreto que levou à decisão são bastante interessantes. Tratava-se de entrevista de um ex-policial — posteriormente também ocupante de cargos eletivos — ao jornal Diário de Pernambuco que imputou ao ex-deputado federal Ricardo Zarattini participação no atentado ao Aeroporto de Guararapes, na década de 1970. O jornal pernambucano que veiculou a entrevista manteve-se silente em face de tais acusações. Inconformado, o deputado pediu danos morais também contra o periódico.
Como ocorre no Direito em geral, mas especialmente em questões pertinentes à liberdade de expressão, é preciso analisar o contexto e a particularidade de cada caso. Por isso mesmo, o próprio STF ainda não conseguiu fixar tese a respeito dessa decisão específica. Três propostas já foram feitas.
De um lado, a recomendação do ministro Alexandre de Moraes, bastante genérica, enfatiza o binômio liberdade de expressão e responsabilidade. Essa proposta contempla quaisquer hipóteses, inclusive aquelas decorrentes de juízos de valor, como ocorre em casos de injúria. E considera direitos de personalidade autônomos, como honra, intimidade e vida privada, enquanto uma espécie de reflexo da dignidade da pessoa humana. Refere ainda, ao final, a salvaguarda de “um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”, que é condizente com a proteção do direito à intimidade, mas não com a proteção do direito à honra.
De outro lado, têm-se as visões complementares dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin. A junção das duas circunscreve o dever de cuidado das empresas jornalísticas quanto a fatos sabidamente inverídicos, em especial quando a averiguação desses fatos se deu em um regime de exceção. O ministro Fachin exige “protocolos de busca pela verdade objetiva” e possibilidade de direito de resposta, restringindo a tese a crimes praticados durante o regime de exceção. O ministro Barroso, por sua vez, propõe a responsabilização da empresa jornalística se “à época da publicação, já havia indícios concretos da falsidade da imputação”; e se o veículo não observou “deveres de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”. As teses de ambos são mais acertadas, caminhando para uma melhor construção dogmática, com o devido equilíbrio entre liberdade de expressão e os deveres de investigação.
É pacífica a existência de deveres de cuidado da imprensa na divulgação de suas reportagens, em especial em situações que podem atingir direitos de personalidades de terceiros. Dentre eles, pode-se destacar: a) a necessidade de se ouvir todos os lados envolvidos em determinada polêmica, em especial a parte atingida; b) a necessidade de checagem de informações escassas ou incompletas; c) a verificação da seriedade da fonte; d) a análise da veracidade de documentos recebidos. A questão aqui é saber quando tais deveres se aplicam também a entrevistas concedidas por terceiros, que já respondem por eventuais excessos.
Algumas questões são fundamentais para a fixação de tese envolvendo entrevistados. Como regra geral, é correta a existência de deveres de cuidado dos órgãos de imprensa também em situações em que ele serve de mero veículo para a comunicação de terceiros. Contudo, a fim de permitir um amplo debate e evitar o chamado efeito inibidor à liberdade de expressão, o chilling effect a que aludem os estadunidenses, tais deveres devem se restringir à contextualização, e não à supressão de eventuais acusações. Como referido, cabe aqui ouvir a parte atingida, bem como a divulgação de outras versões sobre episódios já conhecidos e não esclarecidos, ou esclarecidos em sentido diverso do afirmado.
É importante que esse dever de contextualização se restrinja às afirmações de fatos sabidamente inverídicos; e às situações de non liquet, ou seja, quando não há mais como saber se a informação é falsa ou é verdadeira. Portanto, há dever quanto à contextualização de afirmações de fatos, e não à emissão de opiniões, de juízos de valor. Em caso de injúrias graves (como palavrões ou xingamentos) cabe ao veículo avaliar a publicação de tais insultos sem que seja responsabilizado por isso. A exceção seria em casos de clara militância política (e não mera tendência ideológica) do veículo. Apenas em tais situações extremas é que o veículo responderia também por eventuais injúrias de entrevistados.
Além disso, a questão deve ser de relevante interesse público, caso contrário cabe ao veículo a preservação da intimidade do atingido (excetuados os casos de figuras públicas e de algumas celebridades). Finalmente, um ponto essencial e fulcral consta da tese do ministro Fachin: a necessidade do imediato direito de resposta, que é a pedra de toque para o equilíbrio entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade de quem foi atingido.
Como se vê, a questão é complexa e multifacetada. Numa área tão sensível como a da liberdade de expressão e dos direitos de personalidade, não há respostas únicas, aptas a abarcar a diversidade do mundo. A fixação de teses a partir de casos concretos, porém, auxilia na diminuição da insegurança e na conduta a ser seguida pelos veículos de comunicação jornalística. É essencial, pois, que essas teses sejam precisas e bem elaboradas, não inibindo o dever de informar que cabe à imprensa.