Da redação JM
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, compartilhou nota da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) favorável à Portaria 666 que veda o ingresso no país de estrangeiros suspeitos de envolvimento em crimes específicos.
Moro classificou a nota dos evangélicos como “uma voz de lucidez no debate do tema”.
De acordo com o ministro, “a Portaria nada mais fez do que regular exceções previstas na Lei e que já deveriam ter sido regradas antes, como a proibição da invocação de refúgio por aquele considerado perigoso para a segurança do País”.
+ Bolsonaro defende Sérgio Moro: “confiamos irrestritamente”
+ Após manobra de Maia, Anajure convoca igrejas e a Bancada Evangélica para apoiarem pacote anticrime
+ Anajure convoca cristãos para jejum e oração em prol da audiência no STF sobre aborto
O ministro comentou, em seu Twitter, que “só mesmo no Brasil para outros defenderem que pessoas suspeitas de, por exemplo, envolvimento em terrorismo, em grupos terroristas ou em exploração sexual infantil não devam ser barrados na entrada e deportados sumariamente”.
A Portaria foi amplamente criticada nas redes sociais nos últimos dias pela esquerda.
Estes associaram a medida a uma possível tentativa de enquadrar o jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil em um dos casos de deportação sumária.
Confira a nota na integra:
O Conselho Diretivo Nacional – CDN da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE, no uso das suas atribuições estatutárias e regimentais, vem, através do presente expediente, expor à sociedade e aos órgãos e entidades públicas sua posição sobre a Portaria nº 666/2019, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que se propõe a regular o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária em casos específicos.
I. SÍNTESE FÁTICA
A Portaria nº 666/2019 regula o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa para a segurança do Brasil ou de pessoa que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal[1].
Destaque-se, inicialmente, que a deportação consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional (art. 49, Lei n. 13.445/2017). A repatriação, por sua vez, trata-se de medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento[2] ao país de procedência ou de nacionalidade (art. 50, Lei n. 13.445/2017).
O ato do Ministro da Justiça e Segurança Pública surge para regular a aplicação do § 2º do art. 7º, da Lei nº 9.474/1997, do inciso IX do art. 45 e do § 6º do art. 50 da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, do parágrafo único do art. 191 e do art. 207, ambos do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017.
A Lei 9.474/1997 define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e dispõe, no § 2º do art. 7º, sobre a restrição de ingresso de estrangeiro que busca adentrar o território nacional na condição de refugiado, mas que é considerado perigoso para a segurança nacional.
A Lei 13.445/2017 (Lei de Migração), no inciso IX do art. 45, fixa que poderá ser impedida de ingressar no país, após entrevista individual e mediante ato fundamentado, a pessoa que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal. O §1º do art. 50 da referida lei estabelece que o procedimento de deportação englobará prazo não inferior a 60 dias, prorrogável por igual período, para que o deportando possa buscar regularizar sua situação. O § 6º do artigo retrocitado excepciona o prazo previsto instituindo a possibilidade de sua redução quando o indivíduo se enquadrar na hipótese do inciso IX do art. 45.
O Decreto n. 9.199/2017, por sua vez, determina que serão definidos por ato do Ministro da Justiça e Segurança Pública (I) as hipóteses de redução do prazo do § 6º do art. 50, da Lei de Migração e (II) o regramento para efetivação em caráter excepcional da repatriação e da deportação de pessoa que tenha praticado ato contrário aos princípios e aos objetivos dispostos na CF/88.
A Portaria busca regular os dispositivos mencionados e tem como escopo principal a definição de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos da CF/88, incluindo, nesses conceitos, os suspeitos de envolvimento em: (I) terrorismo; (II) grupo organizado ou associação criminosa armada ou que tenha armas à disposição; (III) tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo; (IV) pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil; e (V) torcida com histórico de violência em estádios.
A publicação da portaria gerou manifestações diversas acerca de sua constitucionalidade, legalidade e proporcionalidade. Compreendendo a relevância da matéria, a ANAJURE aproveita o ensejo para trazer algumas contribuições a respeito do assunto.
II. DA POSIÇÃO INSTITUCIONAL DA ANAJURE
Dentre as principais críticas feitas à Portaria do MJSP, está aquela que se refere ao uso do termo “pessoa perigosa”, que ensejou a criação do instituto da “deportação sumária”, e a concernente ao prazo oferecido para a defesa do deportando. Passaremos, agora, à análise de cada uma delas.
No tocante à alegação de que o termo “pessoa perigosa” é uma formulação da Portaria 666/2019, discordamos. Antes de ser empregado pelo ato do MJSP, o termo é utilizado pela Lei 9.474/97, que discorre sobre a impossibilidade do reconhecimento de pessoa como refugiada se considerada como perigosa para a segurança do Brasil (art. 7º, § 2º). Observe-se que a lei que institui o Estatuto do Refugiado dispõe sobre o assunto de forma genérica, sem precisar o que se poderia considerar como pessoa perigosa para a segurança nacional. Assim, a Portaria não cria uma nova categoria, mas regula algo já existente e, ao fazê-lo, estabelece contornos nítidos para um conceito que, se mantido sem delimitação, poderia resultar em arbitrariedades.
Na mesma linha de raciocínio, quando se afirma que a Portaria criou uma nova figura de deportação, a sumária, e que esta não estaria prevista em lei, é preciso considerar que a Lei de Migração possibilita a redução do prazo de defesa do deportando quando ele pratica conduta contrária aos princípios e objetivos da Constituição Federal, de modo que o ato do MJSP apenas regula a duração do prazo para manifestação, pois o rito mais abreviado já está previsto em lei.
Ressalte-se, no tocante ao prazo, que a sua redução para 48h justifica-se pela gravidade dos atos praticados pelo deportando e, consequentemente, pela necessidade de zelar pela segurança nacional. Assim, não é razoável, tampouco prudente, permitir a alguém conectado ao terrorismo, às organizações criminosas ou à exploração sexual infanto-juvenil, por exemplo, que tenha estada prolongada no país.
Outros países, ao regularem o procedimento de expulsão de estrangeiros de seu território, também adotam prazos curtos, motivados pela necessidade de proteção da segurança nacional. Como exemplo disso, citamos o Chile que, no Decreto Ley 1094/1975, concede ao estrangeiro cuja expulsão tiver sido fixada o prazo de 24h, contado do conhecimento do ato, para protestar perante a Corte Suprema[3].
Na Argentina, no bojo do Procedimiento Migratorio Especial Sumarísimo, aplicável a situações específicas nas quais o estrangeiro foi impedido de ingressar e permanecer no território do país, aplica-se o prazo de 3 dias para que o indivíduo possa interpor recurso hierárquico na via administrativa e também de 3 dias para oferecer recurso judicial, conforme dispõe a Ley 25.871, referente à política migratória[4]. Importa destacar que, dentre as hipóteses ensejadoras do procedimento sumaríssimo em comento, a legislação argentina, à semelhança da portaria brasileira, inclui condutas graves como envolvimento com terrorismo e o desempenho do tráfico ou exploração sexual de pessoas (art. 29, ‘e’ e ‘i’, Ley 25.871).
Nos Estados Unidos, a legislação prevê que em situações nas quais o estrangeiro não seja admitido no território americano por razões de segurança e correlatas, será possível que o oficial de imigração ou o juiz de imigração proceda à remoção. Dentre as razões de segurança e afins, estão: o envolvimento com atividade terrorista; com ação relacionada à espionagem ou sabotagem que possa violar lei norte-americana; ou com procedimento tendente a infringir legislação que proíba a exportação de bens, tecnologias ou informações confidenciais provenientes dos Estados Unidos[5]. Há a possibilidade de que a decisão do oficial ou do juiz de imigração seja revista pelo Attorney General, o qual também poderá decidir pela manutenção da remoção do estrangeiro, sem oitiva do indivíduo, bastando o convencimento firmado por meio do acesso a informações confidenciais que indicam a necessidade de expulsão[6].
No Canadá, a legislação estabelece que o oficial da Divisão de Imigração, ao identificar estrangeiro inadmissível no território nacional, poderá preparar relatório contendo os fatos relevantes e encaminhar ao Ministro da Segurança Pública e Preparação de Emergências (Minister of Public Safety and Emergency Preparedness)[7]. O Ministro, entendendo que o relatório é bem fundamentado, direcionará o caso para a Divisão de Imigração, onde o estrangeiro será submetido a audiência de admissibilidade. Há hipóteses, no entanto, em que tal audiência não ocorrerá, relacionadas a situações de violações a direitos humanos internacionais e à grave criminalidade, conforme o Immigration and Refugee Protection Regulations[8]. Nesses casos, o Ministro poderá determinar a remoção[9]. A Lei canadense ainda dispõe que, disposta a ordem de remoção nos casos de inadmissibilidade por razões de segurança, violação de direitos humanos, criminalidade séria ou organizada, não há direito a recurso para Divisão de Apelação de Imigração[10]. Desse modo, em hipóteses nas quais o ordenamento jurídico atribui maior gravidade, restringem-se as possibilidades de oitiva em audiência e mesmo de recurso.
Na Espanha, há o instituto do Procedimiento preferente, por meio do qual se estabelece rito distinto para expulsão no caso de cometimento de algumas espécies de infrações graves, combinadas com a ocorrência das seguintes circunstâncias: risco de não comparecimento, comportamento do estrangeiro tendente a evitar ou dificultar a expulsão e a existência de risco para a ordem pública, para a segurança pública ou nacional. Em tais hipóteses, o indivíduo terá 48h para alegar o que entender adequado[11].
A legislação norueguesa, dispondo sobre casos de expulsão, determina que o estrangeiro seja notificado e receba um prazo razoável para comentar a comunicação[12].
A legislação da Jordânia, por sua vez, sequer estabelece prazo para a manifestação do estrangeiro, fixando que a pessoa que desobedecer às normas de entrada no país deverá ser detida sem aviso prévio e conduzida à autoridade administrativa, que poderá ordenar sua expulsão direta ou recomendar ao Ministro a concessão de permissão de permanência ou, ainda, remetê-la a um Juiz de Paz[13].
Em resumo, apresentamos o quadro comparativo a seguir contendo os prazos para situações específicas de retirada do estrangeiro do território nacional:
PAÍS | PRAZO PARA DEFESA DO ESTRANGEIRO |
ARGENTINA | 3 dias, para recurso administrativo; 3 dias para recurso judicial[14]. |
BRASIL | 48h[15] |
CANADÁ | Possibilidade de remoção sem audiência de admissibilidade e sem recurso, em casos de maior gravidade[16]. |
CHILE | 24h[17] |
ESPANHA | 48h[18] |
EUA | Possibilidade de remoção sem apresentação de defesa, a depender do entendimento do Attorney General[19]. |
JORDÂNIA | Sem previsão de prazo para defesa.[20] |
NORUEGA | Previsão de “Prazo razoável”. [21] |
Diante do exposto, é possível compreender que a fixação de prazo curto para manifestação de indivíduo vinculados a atos contrários aos princípios e objetivos da Constituição Federal não se trata de afronta à ampla defesa e ao contraditório, mas de precaução ante a conduta de indivíduos que podem ser responsáveis por graves violações de direitos em território nacional. Considerando os prazos adotados por outras nações, percebe-se que a cautela brasileira não foge do padrão adotado internacionalmente.
III. DA CONCLUSÃO
Ante o exposto, a ANAJURE:
– Esclarece que o instituto jurídico da deportação sumária é uma realidade nos países mais civilizados, que visa garantir a segurança nacional, não sendo o Brasil o criador ou pioneiro na aplicação desse procedimento, tampouco significa que a existência da deportação sumária ilide o gozo dos direitos humanos pelos estrangeiros no Brasil;
– Recomenda ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, em especial aos órgãos responsáveis pela gestão do sistema migratório brasileiro, como a Secretaria Nacional de Justiça, que mantenham e desenvolvam a política migratória baseada nos princípios erigidos pela Lei de Migração, v.g., da acolhida humanitária, da não criminalização da migração, e da promoção de entrada regular e de regularização documental.
– Manifesta seu posicionamento pela constitucionalidade e legalidade da Portaria 666/2019, realçando o papel meramente regulador do referido ato no tocante às Leis 9.474/97 e 13.445/17, ao dispor sobre as hipóteses abrangidas pelo conceito de pessoa perigosa, e ao delimitar o prazo de deportação nos casos em que são contrariados os princípios e objetivos da Constituição Federal, conforme possibilitado pelo texto do Decreto nº 9.199/2017.
Brasília, 31 de julho de 2019
Uziel Santana
Presidente do Conselho Diretivo Nacional
Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE
Felipe Augusto Carvalho
Assessor Jurídico Internacional
ANAJURE
Raíssa Martins
Assessora Jurídica
ANAJURE