Recentemente, o ministro Edson Fachin fez uma proposta que causou surpresa e espanto quando sugeriu que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheça, a partir das eleições de 2020, o “ilícito” de “abuso de poder religioso”, possibilitando, com isso, que o acusado tenha seu mandato cassado.
Essa proposta nasceu depois do julgamento do caso da vereadora Valdirene Tavares (Republicanos-GO), que é pastora da Assembleia de Deus, acusada de fazer uso da sua posição religiosa para angariar votos em seu favor.
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No caso de Valdirene, Fachin votou contra a cassação por falta de provas, mas propôs que todos os atos de abuso de poder religioso sejam analisados nas ações de investigação judicial eleitoral.
“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, afirmou o ministro no dia do julgamento da vereadora.
Para entender melhor, atualmente, a jurisprudência eleitoral considera apenas atos de abuso de poder econômico e político como razão para cassação de mandato.
Assim, essa proposta de cassação de mandato por abuso de poder religioso não faz sentido e soa um tanto preconceituosa. Se o TSE caçar mandato de representantes eleitos por grupos religiosos também caçará representantes eleitos por outros grupos, como pelos sindicatos, pelas ONGs, pelos militares e LGBTs, entre outros?
Vale lembrar que a Lei 9504, de 1997, já proíbe a propaganda eleitoral em templos, uma vez que eles são considerados bens de uso comum. Então, o que pretende o ministro Edson Fachin com isso?
É preciso lembrar que a política caminha de mãos dadas com a religião desde a formação do Brasil, com a chegada dos portugueses. Os primeiros católicos chegaram ao nosso país com os exploradores portugueses, começando assim o processo expansionista da religião. A relação da Igreja Católica era muito estreita com o Estado: enquanto a instituição tinha o poder de realizar tarefas administrativas, o Estado podia fazer a nomeação de bispos, etc.
A Constituição Federal de 1824 chegou a instituir o catolicismo como religião oficial do Império. Essa realidade só mudou com a Proclamação da República, em 1889, quando a ligação formal entre Igreja e Estado deixou de existir, apesar de a influência católica ter continuado viva.
Avançando os anos, a Constituição Federal de 1891 carimbou a ausência desse tipo de relação porque nela foi instituído o modelo de Estado laico, ou seja, o Estado não poderia se apoiar nem se opor a nenhuma religião. Essa exclusão facilitou a ascensão de muitas outras religiões no País, incluindo a evangélica. A participação dos “evangélicos” na política aumentou depois dos anos 1980, coincidindo com os novos rumos políticos do Brasil, depois de anos de ditadura.
Agora, é interessante que a maioria dos políticos tem religião, mas claramente a evangélica é a mais lembrada e a todo tempo tentam barrá-la. Então, a pergunta que fica aqui é: por quê?
É preciso lembrar, como bem disse o juiz federal William Douglas, que “a tese do abuso religioso é eivada (contaminada) de uma visão equivocada, que tenta excluir as pessoas de fé do debate público. O Estado é laico, não laicista (intolerante à religião e contra a participação da igreja na esfera pública)”.
(Com Universal)