Primeiro intérprete de um grande personagem da história do SBT, Wanderley Tribeck, 65 anos, não está mais interessado em fama. Deseja apenas ser perdoado por Silvio Santos, porque acredita ter “matado” Bozo, palhaço que interpretou entre 1981 e 1983. Mais de 30 anos depois, Tribeck deixou de trabalhar como palhaço, virou pastor evangélico e faz pregações por todo o Rio Grande do Sul. Mesmo sem vontade de retomar a carreira na televisão, quando olha para trás ele sente remorso por ter saído do SBT, que completa 35 anos nesta sexta (19).
“Tenho um arrependimento pela [minha] saída [do SBT]. Quando eu saí, o Bozo acabou. O Luiz Ricardo, que era um bom Bozo, também resolveu não fazer mais, aí foram entrando outros… Então acho que eu devo um [pedido de] perdão a Silvio Santos. Ele investiu muito no personagem, eu não deveria ter saído. Mas infelizmente eu era muito novo. Hoje estou com idade, sou um homem que pensa. Ainda quero dar um abraço nele e dizer ‘Silvio, me perdoa'”, confessa.
O palhaço Bozo foi um dos grandes ídolos das crianças brasileiras nos anos 1980. Tribeck foi o primeiro selecionado para interpretar o personagem no Brasil, escolhido pessoalmente pela equipe dos Estados Unidos que criou a marca. Ele era comediante e foi indicado para testes pelo amigo Ari Sanches, cantor do Qual É a Música?. O ator acredita que foi aprovado por ter características semelhantes às dos artistas americanos: sabia cantar, dançar e atuar, tinha 1,85 m e olhos verdes.
Do treinamento que passou para viver o palhaço Bozo, Tribeck se lembra de duas lições. A primeira é a de que Bozo deveria inspirar confiança. A segunda foi dada pelo próprio Silvio Santos: ‘”Você precisa melhorar seu jeito, não pode se expor muito. Precisa se esconder mais, você agora é um personagem que não pode aparecer’. Então eu fiquei no anonimato muitos anos por causa de um conselho do Silvio Santos”, relata.
Mesmo com tanta admiração pelo dono do SBT, Tribeck se colocou contra ele e pediu demissão por discordar dos rumos que o patrão dava a seu programa. “Resolvi sair por não concordar com esse negócio de colocar outros Bozos, com crianças fazendo jogos (como corrida de cavalo e batalha naval) na televisão, mulheres de shortinho [como apresentadoras]. Conversei com Silvio, mas ele disse: ‘As coisas são modernas, têm que evoluir’. Falei ‘então não me leve a mal, quero sair'”.
Wanderley Tribeck com a fantasia de Bozo abraça Silvio Santos no SBT, na década de 1980
Fora do SBT
Tribeck saiu e foi para a TV Gazeta, onde apresentou A Turma da Pipoka. Foi nesse programa que os palhaços Atchim e Espirro e a apresentadora Eliana fizeram suas primeiras participações. Ele não gosta de falar de ingratidão, mas fica ressentido por não ser lembrado por eles como um incentivador de suas carreiras.
“Posso ter uma tristeza por dentro ao ver Atchim e Espirro dizerem que começaram no circo, e Eliana falar para todo mundo que foi Silvio Santos que a levou para a televisão. É tristeza, não é ingratidão. A gente tem que respeitar esse tipo de coisa”, lamenta.
No final dos anos 1980, Tribeck ainda passou pela Band, no programa TV Criança, que apresentava ao lado de Sandra Annenberg _que afirma ser sua grande amiga até hoje. Mas, quando a Band decidiu mudar a grade de programação e acabar com a programação infantil, os dois seguiram caminhos opostos. Sandra foi para a Globo e virou jornalista. Tribeck abandonou a carreira na TV e “caiu”.
Wanderley Tribeck no comando do Programa do Bozo em 1981, ano de estreia do SBT
Queda e retomada
Na década de 1990, o ex-palhaço viveu os piores momentos de sua vida. “Meus filhos foram embora, minha mulher [também], me agarrei na bebida, entrei nas drogas. Foi triste, a coisa foi feia. Eu estava praticamente na sarjeta, perdi tudo o que tinha. Me arrependo de muitas coisas que fiz na minha vida”, afirma.
Ele encontrou uma saída na igreja evangélica. Em 2000, se converteu e conseguiu retomar a relação com os filhos e a mulher, que conheceu quando ainda era o Bozo _ela estava na plateia do programa. Hoje, ele é pastor e faz pregações em 30 igrejas por mês no Rio Grande do Sul, mas sem esquecer do passado na TV. “Uso o Bozo porque é uma marca para que as pessoas que eram minhas fãs [sejam atraídas e] venham se converter ao Evangelho de Cristo. Deus me deixou famoso não para subir em palcos e ganhar dinheiro. Deus me deixou famoso para ganhar almas para o seu reino”, acredita. O “slogan” de seus cultos é: “Largou as palmas para ganhar almas”.
O pastor dá seu testemunho nas pregações, mas não tem uma atitude tão benevolente ao falar sobre outro ex-Bozo que também enfrentou problemas com drogas. Arlindo Barreto, que foi viciado em cocaína e hoje também é pastor, é criticado indiretamente por Tribeck. “Eu não tenho uma coisa que venha a denegrir minha imagem na época em que fui o Bozo. Nunca fiquei bêbado como um certo Bozo aí. O personagem nunca foi drogado, drogado foi o sem vergonha que o interpretava. Acabou denegrindo a imagem de todos nós”, alfineta.
Entre os outros atores que interpretavam o personagem, Tribeck diz ser amigo apenas de Luiz Ricardo, que continua no SBT. Ele conta que já recebeu várias propostas para voltar à TV e participar de programas como os de Gugu e de Danilo Gentili, mas não aceitou. “Você não me vê na televisão porque se eu for lá eu não tenho o que falar além de Jesus”, justifica. Nesses 35 anos do SBT, ele gostaria que o personagem que mudou sua vida ganhasse uma homenagem. “O Bozo sustentou o SBT. O Bozo merece tudo”, afirma. Com informações Notícias da TV