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Por falta de dados e risco de doenças, Anvisa nega importação da Sputnik V

Por falta de dados consistentes e confiáveis, a Diretoria Colegiada (Dicol) da Anvisa decidiu, por unanimidade, não recomendar a importação em caráter excepcional da vacina russa Sputnik V. O pedido foi avaliado nesta segunda-feira (26/4), portanto dentro do prazo de 30 dias estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski.

A decisão foi tomada com base em dados levantados e avaliados pelas equipes técnicas das gerência-gerais de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), de Inspeção e Fiscalização Sanitária (GGFIS) e de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GGMON). Também participaram do levantamento de informações a Gerência-Geral de Portos, Aeroportos e Recintos Alfandegados (GGPAF) e a Assessoria de Assuntos Internacionais (Ainte).

De acordo com o relator do processo, diretor Alex Machado Campos, a decisão é um retrato do momento. Ele destacou que a Agência é conhecida por viabilizar o acesso a medicamentos e vacinas e que, neste momento de pandemia, a instituição tem atuado no limite, mas que não há flexibilização em relação à segurança dos produtos.

O relator afirmou também que o desafio diário da Anvisa é estabelecer se os benefícios das vacinas superam os riscos relacionados ao produto. “A segurança é um aspecto inalienável diante da incerteza do risco. Chegamos até aqui de mãos dadas com a ciência e amparados por evidências”, disse o diretor.

Até o momento, 14 estados enviaram pedidos de importação da vacina Sputnik V para a Anvisa: Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Sergipe e Tocantins, além dos municípios fluminenses de Maricá e Niterói.

Falhas e inconsistências
De acordo com a GGMED, foram identificadas falhas no desenvolvimento do produto, em todas as etapas dos estudos clínicos (fases 1, 2 e 3). Também há ausência ou insuficiência de dados de controle de qualidade, segurança e eficácia. Uma das informações preocupantes com relação à avaliação dos dados disponíveis até o momento é que as células onde os adenovírus são produzidos para o desenvolvimento da vacina permitem sua replicação. Isso pode acarretar infecções em seres humanos, podendo causar danos e óbitos, especialmente em pessoas com baixa imunidade e problemas respiratórios, entre outros problemas de saúde.

Esse aspecto foge dos padrões de qualidade recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Medicamentos para Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH), seguidos pelas principais agências reguladoras do mundo, incluindo a Anvisa.

Além disso, foram detectados estudos de caracterização inadequados da vacina, inclusive com relação à análise de impurezas e de vírus contaminantes durante o processo de fabricação, além de ausência de validação/qualificação de métodos de controle de qualidade, entre diversos outros aspectos. Foi verificada, ainda, a ausência de testes de toxicidade reprodutiva, que permitem verificar se o produto pode ou não ser prejudicial às células reprodutivas.

Em sua análise, a GGMON reforçou aspectos apontados pela GGMED, mas chamou atenção especialmente para a questão do desconhecimento de efeitos adversos de curto, médio e longo prazos decorrentes do uso da vacina.

Fiscalização
A área de Fiscalização também detectou uma série de problemas relacionados à vacina Sputnik V, inclusive como resultado de uma missão de inspeção enviada à Rússia. De acordo com a GGFIS, por falta de relatório técnico de aprovação do produto, não foi possível identificar os fabricantes do insumo farmacêutico biológico utilizado na produção da vacina russa. Também não foram identificadas condições de fabricação que demonstrassem que os produtos são consistentemente produzidos e controlados. A GGFIS informou ainda que, em solo russo, foi negado à equipe de inspeção o acesso às instalações do Gamaleya, instituto desenvolvedor da vacina.

Confiança
De acordo com a diretora Meiruze Freitas, a sociedade espera celeridade e responsabilidade da Anvisa na aprovação que garanta a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos e vacinas. “Expresso aqui com sinceridade que estamos fazendo tudo o que podemos para garantir que as vacinas para a Covid-19 cheguem às pessoas desta nação e que atendam aos padrões de qualidade, segurança e eficácia. Toda vez que uma brasileira ou brasileiro, incluindo membros de nossa própria família, recebem uma dose da vacina contra a Covid-19, quando seus braços são oferecidos, eles precisam ter a confiança no trabalho dos servidores públicos da Anvisa”, afirmou a diretora.

Meiruze Freitas reforçou também que as vacinas contra a Covid-19 são medicamentos desenvolvidos e produzidos para salvar vidas humanas, por isso há a exigência de dados consistentes sobre o produto. “Espero que, de fato, o processo da vacina Sputnik V adeque as suas informações e resolva rapidamente as questões de conformidade, porque milhões de pessoas precisam ter acesso a vacinas seguras e eficazes”, finalizou.

A diretora Cristiane Rose Jourdan Gomes reforçou que a análise feita pela equipe técnica parece não contemplar ainda o mínimo de dados suficientes que contraste com as inúmeras incertezas existentes. “De fato, trata-se de uma questão delicada, pois a disponibilização de mais uma vacina, desde que aprovada pela Anvisa, é prioritária para compor um leque de imunizantes para o combate à Covid-19. Como otimista que sou, espero que, no menor prazo possível, a carência de informações da Sputnik V seja superada”, disse Cristiane.

Em sua fala, o diretor-presidente Antonio Barra Torres fez questão de reforçar que a instituição é respeitada nacional e internacionalmente e que não irá abdicar de sua missão. Ressaltou que a Agência já autorizou cinco vacinas, duas delas em tempo recorde no mundo. “Mas também, no escopo da nossa competência, jamais permitiremos, sem que existam as devidas provas necessárias, que milhões de brasileiros sejam expostos a produtos sem a devida comprovação de sua qualidade, segurança e eficácia ou, no mínimo, em face da grave situação que atravessamos, uma relação favorável risco-benefício”.

Lei
A avaliação do pedido de importação excepcional da vacina Sputnik V foi feita com base na Lei 14.124/2021, que determinou que os entes que solicitarem autorização para uso emergencial e temporário de vacinas contra a Covid-19 devem apresentar uma série de informações à Anvisa. Entre as exigências consta o relatório técnico da avaliação, emitido por determinadas autoridades sanitárias internacionais, capaz de comprovar que a vacina atende a padrões de qualidade, de eficácia e de segurança preestabelecidos. Na ausência do relatório técnico, o prazo de decisão da Agência é de até 30 dias. A avaliação também segue normas da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 476/2021.

Portanto, para o diretor Romison Rodrigues Mota, a Lei 14.124/2021, que possibilita e trouxe ao arcabouço jurídico a figura da importação excepcional, reconhece na Agência a competência para avaliar as solicitações dessa natureza. “Nós não podemos abrir mão da nossa responsabilidade, da competência da Anvisa de atuar nas questões relativas à vigilância sanitária, que é o objetivo da instituição existir”.

Confira o resultado da deliberação e os votos dos diretores.

Fonte: Anvisa
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