Por Matt Smethurst
Pastorear cristãos solteiros que desejam o casamento e lutam contra o descontentamento nem sempre é fácil, mas é um privilégio. E essa é uma mordomia confiada a todo pastor.
Aqui estão nove verdades a serem ensinadas e enfatizadas aos solteiros descontentes em sua igreja.
1. “O contentamento é exigido de todos os cristãos, não apenas dos cristãos solteiros”.
É vital lembrar e comunicar que os cristãos solteiros não são uma classe especial de humanos que realmente necessita se esforçar pelo contentamento. Todos nós necessitamos fazê-lo.
Afinal, o descontentamento não é uma característica dos corações dos solteiros; é uma característica dos corações humanos. É “humana” (1Co 10.13), contaminando todas as etapas da vida desde que Adão e Eva não se contentaram em confiar na palavra de Deus contra o sussurro da serpente (Gn 3.1-7).
Se formos honestos, o descontentamento pode parecer bastante pequeno em comparação com outros pecados. Mas não é algo pequeno. É sério, porque mente sobre Deus: diz que ele é insuficiente para suprir as nossas necessidades.
Solteiro ou casado, ninguém precisa ser ensinado a estar descontente. Todos já temos doutorado no assunto. Mesmo a descoberta do “mistério do contentamento” pelo apóstolo não ocorreu naturalmente; ele precisou aprendê-lo (Fl 4.11). Ele se matriculou na escola do contentamento, e nós também devemos fazê-lo.
Cultivar o contentamento, então, é menos como um remédio e mais como uma dieta saudável. Acontece ao longo de meses e anos, não de horas e dias.
Então, diga aos cristãos solteiros em sua igreja o que você diz a todos os cristãos em sua igreja: o objetivo final de Deus não é mudar as suas circunstâncias, embora ele possa mudá-las. É mudar você.
2. “O contentamento não significa que você não possa desejar ou buscar o casamento”.
Espero que seja óbvio, mas direi apenas para deixar claro: Quando “Deus é soberano; seja contente” é um código para “Deus é soberano; pare de desejar ou buscar o casamento”, esse é um péssimo conselho.
O coração humano é complexo. Ele pode tanto desejar o casamento quanto desejar a vontade de Deus — ainda que essa vontade não inclua o casamento. O próprio Jesus experimentou um anelo insatisfeito enquanto se submetia ao plano de seu Pai (Mt 26.39).
Na verdade, é uma marca de maturidade espiritual para um crente trazer o desejo pelo casamento até o trono do céu, derramando o seu coração diante do Deus que ouve e se importa. A resignação é uma característica do estoicismo, não do cristianismo.
3. “Você não é um ser humano em espera”.
Ser solteiro não é um obstáculo para ser plenamente humano; é uma expressão disso. A vida de uma mulher, por exemplo, não começa “realmente” quando ela se torna esposa ou mãe, mas quando ela se torna uma verdadeira portadora da imagem de Deus.
Pastor, lembre bondosamente a pessoa solteira e descontente de que o seu estado civil não é a característica que a define. Palavras como “solteira” e “casada” são boas, mas elas são muito melhores como adjetivos do que como substantivos.
Penso que muitas pessoas bem intencionadas têm uma tendência para considerar a solteirice como tudo ou nada. Alguém que tenha feito disso o seu tudo sempre agirá com alguma variação de “Você tem alguém em vista?”. Alguém que fez disso nada, prescreverá o contentamento como um remédio — o “Deus é soberano; seja contente” com o equívoco mencionado acima. Como pastores, devemos tanto afirmar o desejo do solteiro descontente, quanto, ao mesmo tempo, não agir como se esse fosse o único acontecimento em sua vida.
+ “Casamento não é conto de fadas”, alerta pastor do Eu Escolhi Esperar
É claro que nenhuma observação tem maior significância do que aquela história da pessoa mais completa que jamais fez sexo e nunca se casou. Se a solteirice é deficiente, então Jesus Cristo também foi.
4. “Você pode representar o evangelho de modo único”.
Nessas linhas, a Escritura esclarece que o casamento é um espelho do evangelho, refletindo a união entre Jesus e a sua noiva, a igreja (Ef 5.32).
Mas isso significa que o cristão solteiro não reflete o evangelho? De modo nenhum. A solteirice piedosa reflete a igreja nesta era, enquanto aguardamos com expectativa esperançosa o retorno do nosso Salvador. Na verdade, acho que as pessoas solteiras podem desfrutar de um tipo especial de solidariedade com Jesus que as pessoas casadas não podem. Afinal, ele está aguardando o dia do casamento (Ap 19.6-10).
Sam Allberry o expressa assim: “Tanto o casamento quanto a solteirice apontam para o evangelho. O primeiro reflete a sua forma, a última a sua suficiência”. Pastor, ajude os cristãos solteiros em sua igreja a verem como eles podem refletir de forma única a suficiência do evangelho enquanto aguardam o casamento final.
Falando sobre a mulher solteira e casta, Elisabeth Elliot (1926-2015) chegou a escrever:
Quando ela se entrega voluntariamente a [Cristo] em amor, não precisa se justificar ao mundo nem aos cristãos que a importunam com perguntas e sugestões. De uma maneira não acessível à mulher casada, o seu “sacrifício vivo” diário é um testemunho poderoso e humilde, irradiando amor. Acredito que ela pode participar do “mistério” mais profundamente do que o restante de nós.
5. “A sua solteirice é um dom e um chamado”.
Vivemos em uma era erótica em que os seres humanos são rotineiramente reduzidos à sua sexualidade. A insistência, então, de que a castidade é um dom a ser abraçado e não uma cruz a ser carregada é tão contraditória quanto bíblica.
Paulo não poderia ter sido mais claro quanto à solteirice ser uma boa dádiva de Deus:
Quero que todos os homens sejam tais como também eu sou; no entanto, cada um tem de Deus o seu próprio dom; um, na verdade, de um modo; outro, de outro. E aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo… E, assim, quem casa a sua filha virgem faz bem; quem não a casa faz melhor (1Co 7.7-8, 38; cf. Mt 19.10-12).
Agora, simplesmente informar alguém de que a solteirice é um dom nem sempre é útil. Há algo como um presente indesejável, afinal. Esforce-se para mostrar-lhes por que o dom é belo na perspectiva do céu. Ajude-os a ver as possibilidades que se encontram sob o embrulho.
A solteirice não é o tipo de presente que você desembrulha e guarda; é o tipo que você coloca em uso. E o presente não é dirigido apenas para a pessoa solteira, mas para toda a comunidade. Todos se beneficiam da vida de uma pessoa solteira que abraçou esse chamado — essa disposição — do próprio Rei.
Em seu livro “When the Church Was a Family” [Quando a Igreja era uma Família], Joseph Hellerman faz uma observação impressionante:
A preocupação de Paulo em 1 Coríntios 7 não era questionar como a solteirice se encaixa no plano do reino de Deus. Paulo estava abordando a questão de como o casamento se encaixa no plano do seu reino. As pessoas solteiras já estão com o programa. Elas “cuidam das coisas do Senhor” (v. 32). As pessoas casadas são as que precisam de ajuda para organizar as suas prioridades.
Os cristãos solteiros não estão em um “modo de espera”, aguardando as suas responsabilidades de trabalho no reino de Deus. Que não nos comuniquemos de outra forma em nossas igrejas.
6. “É provável que você esteja estrategicamente posicionado para o bem do evangelho”.
Esta é complicada, uma vez que há uma linha tênue entre dizer aos solteiros que eles provavelmente podem agir mais livremente em prol do evangelho e implicar que espera-se que eles o façam. O primeiro é encorajador; o último não é. O primeiro é como colocar vento nas velas; o último é como o acréscimo de peso ao barco.
O mundo defende a vida de solteiro por causa de tudo o que você pode fazer por si mesmo. A Bíblia defende a vida de solteiro por causa de tudo o que você pode fazer pelos outros. Onde a beleza da solteirice brilha mais fortemente? Não em viagens exóticas, ou em séries da Netflix, ou em despertar no sábado em pleno meio-dia, ainda que essas coisas possam ser legais. A solteirice brilha mais intensamente na capacidade de servir, dispor-se em uma oportunidade, largar tudo diante de uma notícia inesperada e — como um amigo solteiro pode fazer — viajar e organizar o velório para uma família que de repente perdeu o seu filho.
Logo, incentive os solteiros em sua igreja a abraçarem as suas relativas liberdade e flexibilidade como a disposição estratégica que são. Isso não tem apenas implicações para o ministério deles (por exemplo, 1Co 7.32-34), mas também para as suas amizades. Como observa Allberry:
Aqueles de nós que permanecem solteiros, talvez não possam experimentar a profundidade de intimidade única com uma pessoa que um amigo casado experimenta, mas podem desfrutar de uma amplitude de intimidade única com uma série de amigos íntimos, que provém de ter maior oportunidade e capacidade do que as pessoas casadas normalmente têm para investir em amizades íntimas.
7. “Deus está com você e é por você agora”.
Uma das melhores maneiras de você amar alguém que deseja o casamento é ajudá-lo a ver que Deus sempre é soberano, sábio e bom para seus filhos — e ele não deixará de sê-lo em relação a eles. Deus sabe o que é melhor para eles (sábio), ele quer o que é melhor para eles (bom), e ele fará o que é melhor para eles (soberano). Charles Spurgeon o expressou belamente: “Lembre-se disso: Se alguma outra circunstância fosse melhor para você do que aquela em que você está, o amor divino teria colocado você lá”.
Essa não é uma trivialidade insignificante ou superficial. É uma verdade inabalável, sobre a qual o cristão permanece de pé.
É difícil melhorar as palavras de Paige Brown em seu admirável ensaio “Singled Out for Good” [Solteiro para o Meu Bem].
Aceitar a solteirice, seja temporária ou permanente, não depende de especulações sobre as respostas que Deus não deu à nossa lista de perguntas, mas sim da celebração da vida que ele deu. Não sou solteira porque sou muito instável espiritualmente para possivelmente merecer um marido, nem porque sou muito madura espiritualmente para possivelmente precisar de um. Sou solteira porque Deus é abundantemente bom para mim, porque isso é o melhor para mim. É uma impossibilidade cósmica que qualquer coisa poderia ser melhor para mim agora do que ser solteira. O salmista confirma que eu não poderei ter necessidade, não terei necessidade, porque Deus não reterá bem algum de mim.
8. “Você já faz parte da família definitiva”.
A cultura ocidental recente e moderna confunde o sexo e a intimidade, mas a Escritura não. O povo de Deus, reunido em postos avançados do reino, chamados de igrejas locais, deve ser a comunidade mais íntima da terra.
Um homem ou uma mulher em Cristo não é solitário em sentido definitivo. Ele é um filho na casa do Pai (1Tm 3.15), um membro do corpo do Filho (1Co 12.12-27), uma pedra no templo do Espírito (Ef 2.21-22).
E, ao contrário do estado civil, essas realidades permanecerão para sempre.
Em seu livro “God, Marriage, and Family” [Deus, Casamento e Família], Andreas Köstenberger faz a interessante observação de que a Escritura se desenvolve, se for o caso, em uma direção em favor da solteirice:
Solteirice na criação: inexistente.
Solteirice no Antigo Testamento: incomum e geralmente indesejável.
Solteirice no Novo Testamento: vantajosa para o ministério do reino.
Solteirice no estado final: universal.
Com certeza, você é chamado para liderar sua igreja em honra ao casamento (Hb 13.4). Mas tome cuidado para não fazê-lo à custa da solteirice — uma mordomia confiada a alguns de nós agora que caracterizará a todos nós para sempre.
9. “Jesus é suficiente. Realmente”.
A igreja local é indispensável para a vida cristã, e a razão final é por causa de sua pedra angular e cabeça totalmente suficiente, Jesus Cristo.
Ouvi uma vez minha amiga Bethany Jenkins observar que se Jesus não fosse suficiente para ela enquanto ela fosse solteira, ele não seria suficiente para ela quando ela se casasse.
Você não ama isso?
Pastor, lembre aos solteiros em sua igreja de que eles já têm acesso à relação de amor mais profunda e significativa que existe. Ponto final. Se eles se casarem, isso é ótimo, mas só acrescentará um dólar de aprovação e amor ao valor de bilhões de dólares que eles já possuem.
Novamente, o contentamento na solteirice não se parece com um silenciado desejo pelo casamento. A coisa mais bela, de fato, é quando os cristãos solteiros reconhecem o seu desejo por um cônjuge — e, ainda assim, testemunham a suficiência de Jesus em meio à dificuldade. O mundo tem uma categoria para um solteiro que age como se o casamento não fosse um bom negócio. Mas o mundo não tem uma categoria para (e não pode entender nem explicar) um solteiro que anela pelo casamento enquanto declara: “A sua graça me basta” (2Co 12.9).
Como Allberry o expressa: “a chave para o contentamento como uma pessoa solteira não é ser contente na solteirice; é ser contente em Cristo, como uma pessoa solteira”.
Pastoreie o olhar deles
Longe de ser um chamado de segunda classe, a solteirice piedosa é uma disposição vital confiada a muitos dos nossos irmãos e irmãs — a alguns por um período, a outros por toda a vida.
Ao pastorear aqueles que anelam por um cônjuge, não perca a oportunidade de ouvir, consolar e falar a verdade em amor. E a melhor maneira de amá-los é dirigir o olhar deles não para as suas circunstâncias, em última análise, mas para a maior pessoa solteira que já viveu.
Fonte: Fiel – Tradução: Camila Rebeca Teixeira | Revisão: André Aloísio Oliveira da Silva