O dízimo tem sido extremamente atacado nos dias de hoje, especialmente nas redes sociais, o que leva muitos desavisados a pensar que ele faz parte das invencionices da falaciosa Teologia da Prosperidade. Neste artigo, farei uma distinção entre o ensinamento bíblico sobre o dízimo e os desvios propagados por amantes do dinheiro que mercadejam a Palavra do Senhor (1 Timóteo 6.8-10; Efésios 5.5; 2 Coríntios 2.17). Começarei com uma abordagem crítica ao que vem sendo chamado, jocosamente, de “trízimo”, uma espécie de “dízimo de trinta por cento” ou um conjunto de “três dízimos” alusivos a cada uma das três Pessoas da Trindade.
Certo “apóstolo”, muito diferente dos apóstolos do Novo Testamento, tem sido o principal propagador do “trízimo” na televisão. Em geral, no mês de dezembro, ele pede a seus fiéis que lhe entreguem trinta por cento dos seus rendimentos. E o mais curioso é a forma como ele tenta provar que Deus e a Bíblia apoiam essa aberração teológica: “Setenta por cento será seu. E trinta por cento será dado à obra de Deus, representando a Santíssima Trindade”. Em outras palavras, o “trízimo” estaria baseado na ideia de que cada uma das Pessoas da Trindade receberia um dízimo! E, se o dízimo é de Deus, e lhe entregamos três dízimos—às três Pessoas da Trindade —, segue-se que somos triteístas!?
Não é necessário muito esforço para perceber que o “trízimo” é uma bizarrice propagada por telenganadores hábeis em induzir desavisados a lhes entregar o que têm e o que não têm. Mas, como consequência disso, desavisados têm colocado o dízimo no mesmo bojo das falaciosas doutrinas da Teologia da Prosperidade. E, por isso, se faz necessário pontificar que ofertas e dízimos são formas de contribuição genuinamente bíblicas, não coercitivas nem compulsórias (2 Coríntios 9.6-15; Atos 20.35). Desde os tempos do Antigo Testamento, as ofertas para a obra do Senhor são voluntárias. Quando Deus mandou Moisés levantar o Tabernáculo, por exemplo, ele contou com a contribuição de “todo aquele cujo espírito voluntariamente o impeliu, e trouxeram a oferta alçada ao SENHOR” (Êxodo 35.21).
Ainda que não contribuamos por obrigação, e sim espontaneamente, isso não quer dizer que tenhamos o direito de, egoisticamente, deixar de contribuir com dízimos e ofertas para a obra de Deus. Paradoxalmente, contribuir é um ato de amor e, ao mesmo tempo, é nossa obrigação. A motivação principal da evangelização, por exemplo, é o amor (Romanos 10.1; Judas v23). Ao mesmo tempo, no entanto, é nossa obrigação evangelizar (1 Coríntios 9.16; Ezequiel 33.8). Quanto ao dízimo, que não é uma prática restrita ao Antigo Testamento, como muitos pensam, conquanto deva ser entregue, a priori, por amor, em retribuição a tudo que temos recebido do Senhor, temos, também, o dever de contribuir para a obra do Senhor.
Considerando que Deus é o dono de todas as coisas que há no mundo (1 Coríntios 4.7; Tiago 1.17; Salmos 24.1; Êxodo 13.2), inclusive do dinheiro (Ageu 2.8,9), sabemos que a Ele pertence tudo o que temos. E, nesse caso, como o Senhor permite que administremos o que nos tem dado (ou emprestado), destinamos — como bons despenseiros ou mordomos (1 Coríntios 4.1; 6.19,20) — uma parte de nossa renda à sua obra. Uns dão mais, outros menos, conforme cada um se move, voluntariamente, “segundo propôs no seu coração” (2 Coríntios 9.7). Mesmo assim, é importante salientar que contribuir com dez por cento dos rendimentos (dízimo) é uma prática cristã histórica, derivada de mandamentos e princípios bíblicos (cf. Malaquias 3.8-10; Mateus 23.23).
Ao inaugurar o período da graça (João 1.17), o Senhor Jesus não aboliu tudo o que foi dado a Moisés. Sua obra vicária foi eficaz; ninguém depende da lei mosaica para receber a salvação em Cristo, a qual se dá mediante a graça de Deus, pela fé (Efésios 2.810; Tito 2.11). Entretanto, embora muitos defendam a total anulação do dízimo no tempo da graça, alegando que estamos libertos da lei, quais seriam as implicações de ser um dizimista, hoje, quanto à salvação pela graça de Deus? É pecaminoso contribuir com dez por cento dos rendimentos para a obra do Senhor? O ato de entregar o dízimo numa igreja local implica crer que a salvação é pelas obras, e não pela graça?
Ora, em Mateus 23, o Senhor Jesus se referiu ao dízimo como sendo um dever. Nas suas palavras aos fariseus, há vários princípios e mandamentos universais, aplicáveis à Igreja. Quanto ao dízimo, Ele ensinou que devemos ser justos, misericordiosos, bem como ter fé e contribuir para a obra de Deus (v23). Muitos alegam que essa menção de Jesus ao dízimo não é válida, pois ocorreu antes da inauguração da Igreja. No entanto, vários ensinamentos do Senhor foram transmitidos antes de sua morte expiatória (Mateus 5-9; João 1417 etc.). Se não podemos receber como verdade neotestamentária o que Ele disse antes da inauguração da Igreja, em que os apóstolos baseavam seus ensinamentos? Na verdade, além de não haver no Novo Testamento nenhuma passagem que desaprove o dízimo, há textos que corroboram Mateus 23.23 (cf. Hebreus 7 com Romanos 4.11,12,16; Gálatas 3.9; João 8.39).
Inimigos do dízimo alegam, ainda, que ele se refere exclusivamente a Israel, haja vista o sustento aos levitas. Segundo os tais, com a inauguração da Nova Aliança, o dízimo teria sido anulado juntamente com a lei mosaica (Hebreus 9.16,17). Entretanto, assim como no Templo, os levitas precisavam do dízimo e das ofertas alçadas para manterem o lugar de culto ao Senhor, os templos de hoje — e a obra de Deus, de maneira geral — precisam de recursos. Quem afirma que a prática do dízimo está restrita ao Antigo Testamento ainda não entendeu que a natureza e os fundamentos do culto não mudaram. Se o dízimo levítico pertencia à transitória ordem de Arão, hoje ele pertence, por analogia, à ordem de Melquisedeque (Hebreus 7.1-10). Os escritos de Paulo sugerem que ele via a prática do dízimo como legítima, à luz das Escrituras veterotestamentárias (cf. 1 Coríntios 9.9-14. Levítico 6.16,26; Deuteronômio 18.1).
Deus, sem dúvida, abençoa a quem contribui generosamente para a sua obra (2 Coríntios 9.6-15). Mas isso não deve ser confundido com a barganha da Teologia da Prosperidade, condenada claramente pelas Escrituras (2 Pedro 2.1-3). No Novo Testamento, o princípio veterotestamentário de que o trabalhador é digno de seu salário é aplicado aos servos do Senhor (Mateus 10.10; Lucas 10.7; 1 Coríntios 9.7-14; 1 Timóteo 5.17,18), pois a graça não anula, necessariamente, princípios e mandamentos do Antigo Testamento. O dízimo pode, perfeitamente, ser visto como uma prática atemporal, para manutenção da obra de Deus. E essa atemporalidade do dízimo é confirmada pelo fato de ele ter sido mencionado antes e depois da outorga da lei mosaica (cf. Gn 14.20; Lc 11.42; Hb 7.4-10). Diante do exposto, o fato de um crente ser dizimista, em gratidão a Deus, não deve, de modo algum, ser confundido com invencionices antibíblicas, como o famigerado “trízimo”. Observemos, pois, as palavras de Jesus em Mateus 23.23: “deveis, porém, fazer essas coisas [dar o dízimo] e não omitir aquelas [o juízo, a misericórdia e a fé]”.
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