Para alívio dos autênticos democratas e, talvez, frustração dos que davam como certo o mergulho do Brasil no autoritarismo nesta terça-feira, as manifestações do Sete de Setembro em apoio ao governo federal – especialmente os atos de Brasília e São Paulo – transcorreram de forma majoritariamente pacífica. Com exceção de um pequeno incidente envolvendo manifestantes que tentaram furar um bloqueio na Praça dos Três Poderes, não houve tumulto ou violência, muito menos o “autogolpe” que formadores de opinião contrários ao governo prometiam para a data. Ainda assim, este momento, que deveria representar o início de uma muito necessária distensão, infelizmente deve contribuir para o acirramento da polarização e da radicalização.
A forte presença popular – não de baderneiros, mas de brasileiros comuns com suas famílias – pede uma leitura correta. Diante das manifestações desta terça, há duas atitudes errôneas. A primeira delas é simplesmente desqualificar os participantes dos eventos como radicais e desconsiderar o que ocorreu – repetindo, aliás, a reação inicial de boa parte do mundo político e midiático em 15 de março de 2015, data da primeira grande manifestação contra o governo Dilma Rousseff, quando milhões de brasileiros foram às ruas; na ocasião, houve tentativas ou de minimizar a dimensão dos atos, ou de distorcer a pauta dos manifestantes, como se eles estivessem nas ruas por outra razão que não a roubalheira petista. Também agora, não há como ignorar que, além dos que foram às ruas, há muitos outros que compartilham de uma mesma insatisfação quanto ao futuro das liberdades democráticas no Brasil e quanto aos excessos recentes cometidos pelo Supremo Tribunal Federal – excessos que, surpreendentemente, continuam ignorados ou são até aplaudidos por muitos setores da imprensa e da sociedade, incapazes de compreender o apagão da liberdade de expressão em curso no Brasil. Os abusos dessa liberdade existem, mas precisam ser identificados corretamente e coibidos nas instâncias adequadas; o que está havendo, no entanto, é uma repressão generalizada, dirigida indiscriminadamente contra um único lado do espectro ideológico, em que uma corte acumula funções de vítima, investigador e julgador, além de implantar um “crime de opinião” no país.
O país padece de uma cegueira seletiva: a aversão ou o apoio ao governo tornam impossível, a uns, perceber como o Supremo efetivamente tem instalado um clima de censura; e, a outros, perceber como o discurso de Bolsonaro é mais que um flerte óbvio com a ruptura antidemocrática
Mas, da mesma forma, não se pode ler a participação massiva neste Sete de Setembro como uma carta branca para que Jair Bolsonaro tome qualquer atitude que saia das já famosas “quatro linhas da Constituição”. No passado, o petismo já quis fazer crer que dezenas de milhões de votos eram uma espécie de respaldo para que o PT pudesse fazer de tudo no Planalto, inclusive depredar as instituições e submeter o Estado ao partido. Mas, assim como votação massiva não autoriza nenhum partido a saquear o país, povo na rua também não autoriza nenhum líder a tomar atitudes que causem ruptura democrática. Por mais que haja defensores dessa ruptura entre os manifestantes – e desde 2015 tem sido assim –, esta minoria não pode ser entendida (nem por defensores, nem por detratores) como a voz predominante nos atos de terça-feira.
O brasileiro que vestiu verde e amarelo e foi às ruas na terça-feira quer respeito às liberdades democráticas, mas também quer vencer a pandemia, quer deixar a inflação para trás, quer a estabilidade que traz a confiança necessária para os investimentos que gerarão emprego e renda, para o Brasil voltar a crescer. E isso só será possível quando os protagonistas das rusgas recentes forem capazes de baixar as armas, o que até agora não ocorreu e, provavelmente, continuará não ocorrendo, já que os dois lados resolveram dobrar as apostas.
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