A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 9 o regime de urgência de tramitação para um projeto que cria a federação partidária — um dispositivo que, se aprovado, pode salvar partidos pequenos que correm risco de extinção por causa da chamada “cláusula de barreira”.
A aprovação do regime de urgência na tramitação ocorreu com larga vantagem: 429 votos a favor e apenas 18 contrários. O amplo placar, porém, não garante que o mérito do texto terá vida fácil entre os deputados. A federação de partidos é uma proposta controversa.
A federação partidária prevê, em linhas gerais, que duas ou mais legendas se unam durante o período eleitoral e mantenham a parceria por no mínimo quatro anos. Com isso, as siglas parceiras passam a ser tratadas como uma só. Precisam, por exemplo, estar juntas na disputa presidencial, em todas as candidaturas estaduais e também nas atuações na Câmara dos Deputados e no Senado.
O sistema é visto como uma possibilidade de os partidos menores sobreviverem ao dispositivo da lei eleitoral conhecido como cláusula de barreira ou desempenho, que, a cada eleição, torna mais difícil o acesso de siglas com pouco voto nas urnas a benefícios como tempo de TV e recursos do fundo partidário. Na prática, essas restrições podem determinar o fim de uma sigla, que ficaria sem condições de desenvolver suas atividades.
Na eleição de 2022, os partidos precisarão ter 2% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos por ao menos nove estados, para não serem atingidos pela cláusula de barreira. A votação corresponde a eleger 11 deputados. As exigências aumentarão nos pleitos seguintes até chegarem aos 3% dos votos em 2030.
A ideia da cláusula de barreira é reduzir o número de partidos existentes no Brasil. Hoje, são 33 as siglas com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Quem quer a federação partidária
O projeto que recebeu o aval para tramitar em regime de urgência na Câmara já passou no Senado; e é de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Seus maiores defensores na Câmara são representantes de partidos de esquerda e centro-esquerda que temem a cláusula de barreira. Dentre eles, estão legendas como PCdoB, PV e Rede. Líderes dessas siglas têm falado em fusões partidárias. Mas a federação partidária aparece como uma alternativa, por permitir que as legendas sobrevivam com suas identidades próprias, ainda que devendo seguir as regras da parceria com outras legendas por ao menos quatro anos.
Foi do PCdoB, mais especificamente do líder do partido na Câmara, Renildo Calheiros (PE), o requerimento que pediu a urgência do projeto atual. O Partido Comunista, embora seja um dos mais antigos do Brasil, registra historicamente votações pequenas. Nunca lançou um candidato a presidente e elegeu seu primeiro governador — Flávio Dino, do Maranhão — apenas em 2014 (Dino, porém, acaba de deixar o partido). Atualmente, o PCdoB conta somente com sete deputados federais.
Representante de uma legenda mais posicionada ao centro, mas também “ameaçada” pela cláusula de barreira, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) disse considerar “valoroso” o projeto da federação partidária. “Isso pode ser válido para ajudar na diminuição de partidos”, diz.
O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) também vê méritos no projeto. “Se for algo que estabeleça compromissos e reciprocidade, e não uma questão meramente eleitoral, tem valor. Tem que ser uma união [de partidos] programática e com prazo de validade”, afirma.
Quem não quer a federação partidária
Dentro da Câmara, as principais objeções à iniciativa vêm por parte das forças de direita e centro-direita. Para esses grupos, a federação dá chances de partidos menores escaparem do corte promovido pela cláusula de barreira e, assim, continuarem tendo acesso aos benefícios custeados com dinheiro público, como o fundo partidário.
A operacionalização da federação é também alvo de críticas. Parlamentares questionam a real capacidade de partidos conseguirem replicar em todos os estados do Brasil uma aliança idealizada no plano nacional. É comum que partidos que são parceiros na esfera federal sejam rivais locais, e vice-versa. Um exemplo ocorre com o PCdoB e Flávio Dino. O vice dele no Maranhão é Carlos Brandão, membro do PSDB. Em âmbito nacional, PSDB e PCdoB são adversários.
“Eu acho muito difícil uma federação, uma coligação em nível nacional que se repita nos estados, que seja única, que perdure todo o mandato parlamentar. Acho que a democracia ainda não comporta esse tipo de aliança, que é muito engessada, muito difícil. As composições locais e nos estados transcendem os arranjos nacionais”, afirma o deputado federal Aluisio Mendes (PSC-MA).
Mendes é líder de um bloco na Câmara que une três partidos: além do seu, estão no grupo o Pros e o PTB. Segundo ele, não há comparativo entre os blocos partidários do Congresso e a proposta da federação. “O bloco funciona apenas no Congresso. A ideia da federação é se repetir por todo o país. E, no Congresso, se um partido discordar da condução, pode sair do bloco na mesma hora, sem punição. Na federação, não. As penalizações são muito duras.”
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