Como qualquer ferramenta, as redes sociais possuem um lado muito positivo: conectam as pessoas e abrem portas para conteúdos que podem ser interessantes para o usuário. Você, por exemplo, pode ter chegado até aqui porque se interessa por Tecnologia, Inovação ou foi sugerido por alguma rede.
Mas existe um lado oculto, que tem a ver com manipulação em massa e a total falta de consideração com o bem estar mental das pessoas. Uma ferramenta não para quem usa, mas para quem a controla – e negocia no mercado uma das “commodities mais valiosa de todos os tempos”: a atenção das pessoas.
O documentário “O Dilema das Redes” (“The Social Dilemma”), que estreou na Netflix no último dia 9 de setembro, entrevista especialistas em tecnologia do Vale do Silício para mostrar como as redes sociais estão reprogramando a civilização. Ex-funcionários de empresas como Google, Facebook, Twitter, Instagram e Pinterest contam como os executivos dessas companhias não só sabem disso como manipulam os algoritmos para induzir comportamentos nas pessoas.
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O documentário se restringe aos males causados pelos algoritmos das redes sociais, que determinam o que você verá na linha do tempo do Facebook, que foto verá no Instagram ou quais vídeos o YouTube vai te recomendar.
Dirigido pelo cineasta Jeff Orlowski, o filme trata não só do aspecto viciante das redes, construídas para manter o usuário constantemente “engajado”, como explica o impacto disso nas novas gerações e porque é mais vantajoso para esse sistema nos manter separados de quem pensa diferente de nós.
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Um dos personagens principais do documentário é Tristan Harris, que trabalhou como especialista em Ética de Design no Google e agora é presidente e co-fundador do Center for Humane Technology(centro de tecnologia humana). Ele conta como percebeu esse potencial negativo das redes e tentou mudar o sistema por dentro, sem sucesso.
Também são impactantes as cenas da menina de 11 anos que fica desesperada quando a mãe impõe à família um limite no tempo de tela ao ponto de quebrar o recipiente onde o aparelho está guardado, em uma imagem que lembra dependentes de drogas roubando para sustentar a dependência, ou quando essa mesma menina desenvolve problemas de autoestima ao ter a aparência criticada em uma rede social.
“As pessoas acham que o Google é só uma ferramenta de busca, e que o Facebook é só onde vejo meus amigos. Mas elas não percebem que eles estão competindo pela sua atenção”, afirma Harris, lembrando a máxima: “se você não está pagando pelo produto, você é o produto” – é o chamado “capitalismo de vigilância“.
Para Jaron Lanier, considerado um dos “pais” da Realidade Virtual, o produto é “a gradativa, leve e imperceptível mudança em nosso comportamento e percepção”. Outro entrevistado, Roger McNamee, um dos primeiros investidores do Facebook, faz uma revelação que pode ser assustadora para quem não acompanha de perto o setor. Quando elementos externos influenciam em outros países, como por exemplo a Rússia nas eleições dos Estados Unidos, eles não “hackeiam” o Facebook, apenas fazem uso das ferramentas da plataforma.
É iluminador ouvir da boca de inúmeros ex-funcionários de Facebook, Google, Twitter e Instagram de que forma as redes sociais e seus algoritmos estão deixando as pessoas viciadas.
Um dos motivos que explica o fato de muitas pessoas gastarem horas a fio nas redes sociais é o vício.
“Mídia social é uma droga. Nós temos uma necessidade biológica básica de nos conectar a outras pessoas. Isso afeta diretamente a liberação de dopamina como recompensa”, diz Anna Lembke, diretora na escola de medicina na Universidade Stanford. As pessoas têm que postar uma foto, porque querem sentir o prazer de ter sua imagem curtida. Não conseguem deixar de verificar qual email receberam, porque sabem que podem ter uma surpresa agradável, essa expectativa é viciante.
A mensagem do documentário, no entanto, é tão poderosa que quase esquecemos as infelizes encenações sobre efeitos nefastos das redes.
É importante mostrar uma família sentada à mesa, cada um isolado em sua tela, viciado nas curtidas do Instagram e Facebook, sem se comunicar com o resto.
“Dois bilhões de pessoas terão pensamentos que não teriam normalmente, porque um designer do Google disse: é assim que as notificações vão aparecer na tela para a qual você olha quando acorda.”
Elas precisam fazer de tudo para manter os usuários conectados o máximo de tempo possível para vender anúncios. E anúncios muito eficientes. Como essas companhias monitoram tudo o que as pessoas fazem –a imagem exata que você parou para ver e quanto tempo gastou olhando, por exemplo–, usam esses dados para vender propagandas supersegmentados.
Não se trata, porém, de uma cruzada ludista. O filme não propõe uma vida sem essas tecnologias.
“É fácil hoje em dia esquecer que essas ferramentas criaram coisas maravilhosas para o mundo. Reuniram familiares perdidos, encontraram doadores de órgãos. Houve mudanças sistêmicas muito importantes graças ao impacto positivo dessas plataformas”, diz Tim Kendall, ex-diretor de monetização do Facebook. “Acho apenas que fomos ingênuos em relação ao outro lado da moeda.”
O documentário funciona muito bem como sinal de alerta para o seu mau uso das Redes Sociais. Alguns elementos da sociedade, como a atual polarização extremada, que certamente teve influência dos algoritmos do Vale do Silício, porém, acabam simplificadas pela narrativa. Mas dificilmente você não vai sair de “O Dilema das Redes” sem querer dar um tempo do seu smartphone.
FONTE: OLHAR DIGITAL