A Justiça do Tocantins determinou a redução dos valores cobrados pelas vistorias veiculares do Detran-TO e derrubou a terceirização que beneficiava as empresas privadas Aliança Vistoria e Tocantins Vistoria. A decisão é do juiz Manuel Faria dos Reis Neto, da 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Palmas, proferida nesta quinta-feira (13).
A sentença de mérito atende aos pedidos formulados em ação popular pelo advogado Arnaldo Filho Lima da Silva, de Araguaína.
Com a decisão, o Detran deve reassumir os serviços em 90 dias. Os valores cobrados dos cidadãos também serão reduzidos. A vistoria de transferência de jurisdição de veículo, por exemplo, vai reduzir de R$ 130,00 para R$ 23,77, uma diferença de R$ 106,23.
A vistoria de transferência de propriedade cairá de R$ 130 para R$ 89,14, uma diferença de R$ 40,86.
CONTRATOS SEM LICITAÇÃO
Um dos pontos considerados pelo juiz é que a empresas privadas não prestam simples serviço público, mas exploram atividade econômica e foram contratadas sem licitação para promoverem vistorias veiculares no Estado do Tocantins.
A decisão destaca também que os contratos foram firmados com “grave violação ao princípio da legalidade”, pois o Governo não obedeceu aos procedimentos previstos em leis federais, e nem apresentou nenhuma justificativa idônea para não fazer licitação.
“O administrador público deve atender aos ditames da conduta ética, honesta, exigindo a observância de padrões éticos, de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a boa administração”, destacou o juiz.
DIRECIONAMENTO DA LICITAÇÃO
Conforme a decisão, há fortes indícios de desvio de finalidade e direcionamento da contratação para atender interesses diversos da administração, visto a existência de servidores públicos efetivos cujas atribuições coincidem exatamente com o objeto da delegação. Em 2013, o Estado deu posse a 95 examinadores veiculares e 8 analistas veiculares.
O juiz questionou ainda o que esses servidores passaram a desempenhar após a terceirização dos serviços e destacou: “as vistorias veiculares sempre foram realizadas por servidores públicos desde a criação do Estado do Tocantins e
sem qualquer alarde atendiam a demanda Estadual sem qualquer problema, realidade essa alterada em junho de 2015 com o credenciamento das empresas Aliança Vistoria e Tocantins Vistoria”.
CREDENCIAMENTO ILEGAL DA EMPRESA ALIANÇA VISTORIA
Arnaldo Filho sustentou na ação que a empresa Aliança Vistoria e Certificação Automotiva Ltda foi credenciada ilegalmente, pois um de seus sócios (Humberto Heles Franco Nunes) é sócio de Antônio Divino Vieira Junior, que possui várias empresas que atuam no comércio de veículos novos e usados no Tocantins.
Para o juiz, diante dessa ligação entre sócios das empresas, “é certo que a isenção na execução dos serviços credenciados encontra-se comprometida”.
AUMENTO ILEGAL DO VALOR DAS VISTORIAS VEICULARES
O advogado também sustentou que o Detran aumentou ilegalmente todos os valores das vistorias veiculares, com expressiva diferença de valores entre os que estão previsto no Código Tributário Estadual e os novos instituídos por uma simples portaria.
Vistoria de transferência de jurisdição de veículo, por exemplo, teve o preço elevado de R$ 23,77 para R$ 130,00, uma substancial diferença de R$ 106,23.
No mesmo sentido, a Vistoria de transferência de propriedade, de R$ 89,14, foi para R$ 130,00, uma diferença de R$ 40,86.
O juiz concluiu que a portaria do Detran padece de “vício de ilegalidade e inconstitucionalidade”.
PREJUÍZO AOS COFRES PÚBLICOS E 90% PARA AS EMPRESAS
Outra ilegalidade questionada pelo advogado Arnaldo Filho foi a distribuição dos valores arrecadados, em que apenas 10% é destinado aos cofres públicos e 90% às empresas privadas.
O juiz criticou o fato de o Detran ter implantado todo o “complexo, sigiloso e caríssimo sistema” de Vistoria de Identificação Veicular Eletrônico com dinheiro público e ficar apenas com 10% do valor cobrado sobre cada laudo, o que chamou de “um valor irrisório”.
A decisão destaca que essa divisão da arrecadação atinge os cofres públicos e retira receita do Estado do Tocantins.
Outro detalhe chamou muita atenção do juiz, o fato de a empresa Aliança Vistoria dizer que tem um lucro de apenas R$ 40 mil por mês e que investiu R$ 3,2 milhões para prestar o serviço.
“Somente para reaver o investimento aplicado levará 06 anos e 09 meses. Tendo em vista que o contrato de concessão estipula o prazo de 04 anos, irá amargar, ainda, um prejuízo de R$ 1.240.000,00 (um milhão duzentos e quarenta mil reais). Ora, que tipo de empresa aventura-se a participar de algo tão desvantajoso?”, questionou.
E continua: “Chama a atenção uma empresa com capital social registrado de R$ 100 mil, conseguir investir R$ 3,2 mil e que irá amargar um prejuízo ainda de R$ 1,2 milhão. É certo que iremos encaminhar ofício à Receita Federal, bem como à Junta Comercial para que adotem as medidas necessárias à correta adequação do capital social da referida empresa”.
Já o promotor de justiça destacou que “o cidadão tocantinense vem suportando duplo prejuízo, pois, além da majoração da cobrança, há a diminuição da arrecadação aos cofres públicos, com a reversão dos valores arrecadados para empresas privadas, decorrendo, portanto, substancial dano ao erário.”
CONTRATOS E PORTARIAS ANULADAS
Finalmente, o juiz anulou as Portarias do Detran nº 143, de 16 de março de 2015, alterada pela Portaria nº 312/2015, e cancelou os contratos de concessão nº 023/2015 e nº 022/2015, firmados com as empresas Tocantins Vistoria e Certificação Eletrônica Ltda. E Aliança Vistoria e Certificação Eletrônica Ltda., respectivamente.
Ainda determinou ao Estado do Tocantins que retome a execução dos serviços de vistoria veicular em até 90 dias, devendo as empresas ainda vinculadas ao processo manterem o atendimento regular da demanda de vistoria veicular até final rescisão, que não poderá ser superior a 90 dias.
No caso de descumprimento da ordem, o juiz estipulou multa diária na pessoa do Presidente do Detran/TO em R$ 1 mil até o limite de R$ 100 mil, sem prejuízo das demais sanções penais e administrativas.
“Para o caso de desatendimento voluntário das vistorias por parte das empresas durante o processo de transição, sem antes o Detran/TO ter assumido integralmente o serviço de vistoria veicular, aplico multa diária, a cada uma delas, no valor de R$ 3 mil até o limite de R$ 300 mil, sem prejuízo das demais sanções penais e administrativas”, finalizou o juiz.