Aos poucos, a figura do oficial de Justiça, entregando pessoalmente a intimação, vai dando lugar a outras formas mais rápidas, baratas e tecnológicas de avisar as pessoas de que a Justiça deseja ouvi-las. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que há juízes em pelo menos quatro estados utilizando Whatsapp para intimação, marcação de audiências ou outras finalidades. Em três estados, já houve relatos de uso da ferramenta, mas a prática foi interrompida ou vem ocorrendo apenas de modo ocasional. E outros quatro analisam recorrer ao aplicativo. Para além do Whatsapp, há outras experiências no Judiciário brasileiro com meios alternativos, como o e-mail.
O “público-alvo” do Judiciário ao adotar o Whatsapp vai de pessoas que moram longe do trabalho — e, por isso, se deslocam muito todos os dias — a turistas que passam pouco tempo num local e depois voltam para casa. É o caso, por exemplo, da experiência de Pernambuco, onde o aplicativo começou a ser usado este mês pelo juiz Hugo Bezerra de Oliveira, do Juizado Especial Criminal de Ipojuca. Os juizados especiais se caracterizam pela maior informalidade e simplicidade, envolvendo causas de valores mais baixos. Em muitos casos, as partes sequer são representadas por advogados.
Em Ipojuca, fica a praia de Porto de Galinhas, que costuma atrair muitos visitantes. O juiz recorreu ao Whatsapp pela primeira vez para fechar um acordo com um casal de turistas de Brasília, acusado de agredir um policial. Após contato telefônico, o magistrado mandou os termos da proposta pelo aplicativo. O casal aceitou, pagou dois salários mínimos e o caso foi arquivado. Depois dessa experiência, o juiz resolveu que repetirá os procedimentos para outros casos envolvendo turistas. Ele também entrou em contato com a Corregedoria do Tribunal de Justiça (TJ) do estado para tratar da questão, mas ainda espera resposta.
— Eu enviei um ofício para todas as delegacias da comarca de Ipojuca para que o delegado de polícia, antes de encaminhar ao Judiciário, indague todos os turistas se eles desejam que as audiências preliminares de crimes de menor potencial ofensiva sejam realizadas por Whatsapp — explicou o juiz Hugo Oliveira.
Em Brasília, o uso do aplicativo começou em outubro do ano passado, com a juíza Fernanda Dias Xavier, do Juizado Especial Cível de Planaltina, uma das regiões administrativas que compõem o DF. Lá, a maioria da população economicamente ativa se desloca a outras regiões para trabalhar, tornando mais difícil encontrá-las em casa durante o dia. Assim, o Whatsapp tende a ser mais eficiente que os oficiais ou os Correios. No caso das correspondências – que custam R$ 9,50 cada no Distrito Federal -, é comum que elas retornem em razão da ausência dos destinatários.
— Eu estava conversando com um colega, que era assessor do então corregedor, e nós conversamos a respeito de como fazer intimações. Ele falou das intimações por e-mail e eu brinquei: vamos fazer intimação por Whatsapp. Ele falou: isso é uma boa ideia, por que você não pensa nisso? E a partir de então surgiu a ideia, fiz a proposta para a corregedoria, que encampou a ideia — contou a juíza Fernanda Xavier, que aponta outra vantagem:
— Temos observado também que as partes deixam de ir ao balcão da vara e de ligar para confirmar dados: ah, minha audiência é que dia? Ele já tem lá no celular, fácil acesso. Se esqueceu o mandado em casa, ele vai à vara para saber ou ligar. No celular não, está com ele sempre. Então ele tem aquele acompanhamento mais direto, e mais próximo dela.
Hoje, o TJ do DF é um dos que mais recorrem ao aplicativo. Já são cinco juizados especiais que contam com um aparelho telefônico só para isso. Para que possa haver a intimação via Whatsapp, é preciso que as partes aceitem previamente o uso da ferramenta, assinando um termo de adesão. Segundo o TJ, já foram feitas aproximadamente 1.000 intimações dessa forma, e poucas não foram bem sucedidas. A experiência foi copiada pela juíza Wannessa Dutra Carlos, do Juizado Especial Cível do Guará, outra região administrativa do DF. Em 14 de julho, o corregedor do TJ, o desembargador José Cruz Macedo, entregou mais três aparelhos para os juizados da Fazenda Pública.
— Nós estamos trabalhando para expandir o sistema. Mas temos que fazer devagar. É um projeto que está no começo. E também temos dificuldades de recursos. Mas como está gerando economia, nossa expectativa é que permita a expansão do projeto — afirmou o corregedor.
Em abril do ano passado, o juiz Gabriel Consigliero Lessa, do Juizado Especial de Piracanjuba (GO), a 85 km de Goiânia, também passou a usar o Whatsapp. Assim como em Planaltina, Piracanjuba tem vários moradores que não trabalham lá, mas em municípios próximos. Também como no DF, havia a necessidade de autorização prévia para a realização da intimação via Whatsapp. Mas, no caso do juiz goiano, houve uma diferença crucial: a Corregedoria do TJ do estado não apoiou a iniciativa. Assim, ele interrompeu a experiência e fez uma consulta diretamente ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas não obteve resposta ainda. Enquanto a experiência durou, ele garante que todas as intimações foram cumpridas.
— A ideia é diminuir custos, porque as intimações são muito caras para o Estado. E também dar uma atuação célere, que a pessoa se satisfaça rapidamente com o objetivo de procurar a Justiça — explicou o juiz goiano.
Além do DF e Pernambuco, o Whatsapp é utilizado em pelo menos mais dois estados. Em Mato Grosso do Sul, serve para marcar audiências. Em Roraima, duas varas da Fazenda Pública permitem o uso do Whatsapp para agendar consulta a autos físicos, solicitar certidões e alvarás, oferecer sugestões e reclamações. No caso do TJ de Alagoas, não são juízes que usam o Whatsapp, mas os próprios oficiais de justiça, na tentativa de localizar as partes envolvidas no processo.
Além de Goiás, Mato Grosso também já teve uma tentativa de usar o Whatsapp para intimações suspensa. Segundo o TJ local, a iniciativa foi interrompida após uma representação da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no estado. Em Rondônia, já houve uso ocasional do aplicativo. Em 2014, o juiz Rogério Montai, da cidade de Buritis, num caso de investigação de paternidade, intimou um cidadão de Cabo Verde por meio do Whatsapp.
O uso do aplicativo no Judiciário foi destacado até pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Na última terça-feira, ao suspender decisão judicial que havia bloqueado o Whatsapp em todo o país, ele destacou vários pontos. Em um deles, disse: “sem adentrar no mérito do uso do aplicativo para fins ilícitos, é preciso destacar a importância desse tipo de comunicação até mesmo para intimação de despachos ou decisões judiciais”. Antes disso, o Whatsapp já tinha sido bloqueado por alguns dias em maio.
Quatro tribunais – Acre, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe – não usam Whatsapp, mas estão analisando a possibilidade. No caso de Sergipe, não será para intimação, mas para convidar pessoas para participar de audiências de conciliação ou mediação. No Rio Grande do Sul, há um projeto piloto numa vara do Juizado Especial Cível de Porto Alegre para intimações via Whatsapp. A experiência ainda está em fase de cadastro para adesão das partes e advogados e vai se estender até 1º de dezembro deste ano, quando haverá uma avaliação sobre a viabilidade continuar ou não o projeto.
Em Sergipe, já há o uso de outras alternativas eletrônicas, o que levou o TJ a fazer estudos para diminuir o número de oficiais. No DF, ocorre o oposto: há um déficit desses profissionais. Tanto que o presidente da Associação dos Oficiais de Justiça (Aojus) do DF, Gerardo Alves Lima, apoia o uso do Whatsapp. Segundo ele, faltam 300 oficiais para atender toda a demanda local. Além disso, Gerardo lembrou que, somente este ano, já houve 15 casos de agressões a oficiais de justiça, o que inclui até mesmo cárcere privado e roubo a mão armada. Assim, ele avalia que o Whatsapp pode ajudar a diminuir a violência contra a categoria.
— A gente está com um déficit no quadro de oficiais de justiça e os colegas estão adoecendo pelo excesso de demanda. Então essas medidas alternativas para cobrir esses atos mais simples acabam sendo bem interessantes para os oficiais de justiça — disse Gerardo, acrescentando que há hoje pouco menos de 600 oficiais trabalhando no DF.
Além do Whatsapp, há outras formas alternativas em uso pelo país. Na Bahia, o juiz Fábio Falcão Santos, da cidade de Alagoinhas, usa e-mail para intimação. Na Paraíba, por iniciativa da juíza Agamenilde Dias Arruda Vieira Dantas, é possível fazer agendamentos na 5ª Vara da Família de João Pessoa por e-mail ou telefone. No DF, os juizados especiais da área cível também usam telefonemas e e-mail. Em Mato Grosso do Sul, o juiz Jessé Cruciol Júnior, de Sonora, já deu decisão via SMS. Ele estava na estrada quando foi informado que um homem preso pagou a pensão alimentícia devida. O juiz então enviou a mensagem para sua assessoria, que publicou a decisão mandando soltá-lo.
Outros 11 tribunais relataram apenas o uso dos meios tradicionais, o que inclui os Correios: Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e Tocantins. O TJ do Rio diz inclusive que os oficiais de justiça são proibidos de usar até mesmo o telefone. O TJ de Minas informou, no entanto, que é possível que haja iniciativas isoladas de juízes quanto ao uso de meios alternativos. Já o tribunal amazonense anunciou que usará e-mail para intimação a partir de setembro. Apenas dois TJs não responderam os questionamentos do GLOBO: Amapá e Piauí. O Conselho Federal da OAB também não deu retorno.