Da redação
O ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB) foi preso preventivamente nesta terça-feira (19/3). Desta vez, ele é acusado pelo Ministério Público estadual de comandar um esquema de desvio de R$ 22 milhões que deveriam ser usados na construção de escolas entre 2012 e 2015. Segundo o MP-PR, o ex-governador teria cometido crimes decorrentes desse esquema até 2017, inclusive obstrução à Justiça. Além de Richa, foram presos Ezequias Moreira e Jorge Atherino.
Ao mandar prender Beto Richa, magistrado disse que, nos casos de crimes complexos como os de colarinho branco, não é necessária a contemporaneidade para aplicar a prisão preventiva.
Ao justificar a necessidade da prisão preventiva, o juiz Fernando Bardelli Silva Fischer, da 9ª Vara Criminal de Curitiba, afirma que qualquer outra medida “implicaria no total descrédito do Poder Judiciário frente aos cidadãos e, consequentemente, na confirmação de que o sistema criminal em nosso país só alcança pessoas de baixa renda”.
O magistrado disse ainda que, nos casos de crimes complexos como os de colarinho branco, não é necessária a contemporaneidade para aplicar a prisão preventiva. Segundo ele, essa exigência apenas contribui para a constatação de que o sistema prisional só alcança os menos favorecidos.
“Há um pensamento, amplamente difundido na doutrina e jurisprudência brasileira, que insiste em vincular a necessidade da prisão preventiva à contemporaneidade dos fatos criminosos. Tal entendimento, carente de maiores fundamentações racionalmente elaboras, ecoa sem a devida reflexão crítica, como um verdadeiro mantra da impunidade”, afirma.
O juiz também fundamenta sua decisão no sentimento de impunidade e descrédito do Judiciário, que, segundo ele, cada vez mais reverbera nas ruas e redes sociais.
“A percepção, pela população, de que medidas judiciais mais enérgicas não atingem as classes politicamente e economicamente privilegiadas, faz nascer uma sensação de mal-estar em relação ao Poder Judiciário, que se exterioriza por meio de expressões de vergonha. E a grande resistência do Poder Judiciário em aplicar medidas, como a prisão preventiva, em casos graves de crimes do colarinho branco deriva da ideia da contemporaneidade como requisito intransponível.”
Para Fernando Fischer, esse pensamento, ainda que reproduzido muitas vezes de boa-fé, carrega em seu âmago uma tendência discriminatória de seleção de indivíduos potencialmente encarceráveis.
“Não se trata de uma apologia ao encarceramento de pessoas de alto padrão social, nem de uma vedação à análise de critérios temporais para o fim de decretação de prisões cautelares. O que se busca é conferir um tratamento equânime ao instituto da prisão preventiva, retirando-se o véu que contrafaz toda discriminação sistêmica, de modo a permitir que o Poder Judiciário possa apresentar uma resposta adequada a casos de graves violações”.
Gravidade dos crimes
O juiz fundamenta ainda a necessidade da prisão cautelar diante da gravidade dos crimes. Entre os parâmetros usados para definir essa gravidade, Fischer utiliza um manual dos Estados Unidos, o United States Sentencing Commission.
Esse documento apresenta uma tabela com 43 níveis práticos para se mensurar a gravidade dos fatos delitivos. Segundo o juiz, com base nessa escala, sob a ótica da realidade econômica brasileira, os delitos apurados atingiriam algo próximo ao nível 38 em uma escala de 43 níveis. Nesse trecho da sentença, o juiz confunde o nome da atual operação com outra em que Richa é investigado. A confusão foi corrigida em outro despacho no mesmo dia.
Na decisão, o juiz cita ainda outros parâmetros e conclui que, independentemente do método utilizado, a gravidade é comprovada. “O dano gerado pelos fatos criminosos atribuído aos Investigados é irreparável e perante qualquer critério de valoração adotado, a única conclusão que se pode chegar é que os crimes narrados são de uma gravidade excepcional. Tais fatos, de extrema repercussão social, não podem passar incólumes pelo crivo do Poder Judiciário, sob pena de se deslegitimar o exercício da função precípua de um dos pilares da República.”
“Diante disso, considerando a extrema gravidade dos delitos imputados aos Investigados, tanto sob o aspecto econômico quanto social, entendo mais do que justificada a decretação da prisão preventiva para a garantia da ordem pública e para garantia da ordem econômica, com o fim de resgatar a confiança da população nas Instituições Públicas e reestabelecer as expectativas sobre as normas violadas e sobre o papel dos governantes, evitando, ainda, que a imagem do Poder Judiciário, já arranhada em razão da postura muitas vezes leniente frente à corrupção, venha a se desgastar ainda mais”, concluiu.
Salvo-conduto
O ex-governador do Paraná já havia sido preso outras duas vezes cautelarmente. No entanto, as prisões anteriores não tinham relação com o desvio em escolas públicas. Nas duas ocasiões, o ex-governador conseguiu Habeas Corpus determinando sua soltura.
Na primeira vez, ele foi preso acusado de corrupção no âmbito de um programa estadual de manutenção de estradas. A prisão, no entanto, foi considerada sem fundamento pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O ministro ainda impediu que o ex-governador fosse preso pelos mesmos fatos.
Na segunda vez, Richa foi preso na operação “lava jato”, acusado de obstruir investigações. Desta vez o HC foi concedido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, por falta de provas. Na mesma decisão, o ministro expediu uma ordem de salvo-conduto em favor de Beto Richa para que eles não sejam presos cautelarmente no âmbito da mesma investigação.
Na última sexta-feira (15/3), o ministro Gilmar Mendes também concedeu salvo-conduto para impedir a prisão do ex-governador, mas a medida se aplica apenas às investigações relacionadas à “lava jato”.
Prisão sem fundamento
Em nota, a defesa de Richa afirma que a determinação de prisão exarada hoje não traz qualquer fundamento e que o ex-governador e seus familiares estão sofrendo perseguição.
“Tratam-se de fatos antigos sobre os quais todos os esclarecimentos necessários já foram feitos. Cumpre lembrar que as fraudes e desvios cometidos em obras de construção e reforma de colégios da rede pública de ensino foram descobertos e denunciados pela própria gestão do ex-governador Beto Richa. Por orientação do ex-governador, no âmbito administrativo, todas as medidas cabíveis contra os autores dos crimes foram tomadas”, diz a nota do advogado Guilherme Brenner Lucchesi.
Com informações Conjur