por Ciro Sanches Zibordi
Dois episódios recentes envolvendo pregadores famosos me fizeram refletir profundamente sobre o que Paulo, próximo da morte, escreveu a Timóteo: “Conjuro-te, pois, diante de Deus e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu Reino, que pregues a palavra” (2 Tm 4.1,2). O que é pregar a Palavra? Evidentemente, a resposta a essa pergunta passa pela menção da conduta ética (gr. ethos, “modo de ser”, “caráter”, “procedimento”), que está se tornando rara nos púlpitos dos grandes eventos evangélicos.
Há pouco tempo, um pregador não pentecostal e calvinista — não tido, até então, como antipentecostal —, em um grande congresso interdenominacional, criticava, e bem, as heresias e modismos pseudopentecostais da atualidade, quando resolveu fazer um gracejo sem graça com o dom de línguas. Foi uma provocação desnecessária e infeliz. Primeiro, porque ele também ministra a Palavra na Assembleia de Deus, igreja que sempre o respeitou. Segundo, porque não fez distinção alguma entre os pentecostais sérios (que têm a Bíblia como sua regra de fé, prática e viver), muitos deles participantes do evento, e os adeptos de movimentos pseudopentecostais, místicos, que não têm a Bíblia como a sua fonte primacial de autoridade.
Todo pentecostal que se preza — embora reconheça que há muitas falsificações dos dons do Espírito Santo — se sente ofendido quando vê um pregador zombando das línguas sobrenaturais mencionadas no Novo Testamento, já que tem a convicção de que elas são ministradas pelo Paracleto (At 2; 1 Co 12-14). Ninguém é obrigado a abraçar o pentecostalimo. E eu, como pentecostal, respeito os cessacionistas. Mas não convém zombar da fé pentecostal e dos pentecostais.
Como se esperava, a conduta antipentecostal do tal pregador acabou gerando uma reação por parte dos pentecostais mais exaltados, que passaram a criticá-lo ferrenhamente nas redes sociais, reacendendo os debates inglórios entre calvinistas e arminianos, entre cessacionistas e pentecostais. Para piorar a situação, encontrou-se um vídeo em que o pregador não pentecostal verbera contra um famoso conferencista pentecostal, que resolveu responder às críticas. A partir daí o que se viu, na grande rede, foi um verdadeiro tiroteio, uma disputa recheada de zombaria, generalizações etc.
Recentemente, outro episódio de guerra entre pregadores fomentou discórdia nas redes sociais. Um pregador e uma pregadora, em um mesmo congresso considerado pentecostal, resolveram se alfinetar ao som de “glórias a Deus” e “aleluias” — mais uma faceta da disputa igualmente inglória entre pregadores performáticos, que se julgam intocáveis e se portam como celebridades. A pregadora, usando de ironia e tom desafiador, verberou contra a conduta de alguns pastores e pregadores itinerantes, animadores de auditório, grupo do qual ela faz parte, para ser justo em minha abordagem.
No quesito performance, ela agradou o povo, que vibrava com as suas alfinetadas e “coreografia”. Mas o conteúdo da sua mensagem gerou um grande mal-estar entre os preletores convidados. E, diante das provocações, um famoso pregador, quando teve oportunidade, reagiu, falando em nome daqueles que se sentiram “atingidos”. Ele, então, atacou a pregadora, também de modo indireto, fazendo uma comparação entre a águia e a formiga.
A partir daí, começou nas redes sociais uma vergonhosa disputa entre os gêneros masculino e feminino. E as fãs da pregadora passaram a usar frases feministas, como “Mexeu com uma, mexeu com todas”, e também “Sou formiga e não temo águia”, além de chamarem o pregador de racista. Isso porque ele, ironicamente, comparara o “pregador águia” com a “pregadora formiga”, dando destaque para a “tanajura”, o que gerou também a hashtag #SomosTodosFormigas! Bom seria que todos levassem a sério as metáforas da Bíblia, fossem ter com a formiga (Pv 6.6) e se renovassem como a águia (Is 40.28-31), não é mesmo?
Observa-se que o maquiavelismo e a chamada ética consequencialista estão prevalecendo. E não é de hoje que pregadores — e pregadoras — itinerantes usam o púlpito para verberar contra desafetos e ameaçá-los. Portando-se com arrogância e ar de superioridade, alfinetam e desafiam inclusive os pastores sentados à sua retaguarda, pedindo que o povo glorifique, corra, pule, rode etc. Entretanto, ao discorrer sobre a pregação, o apóstolo Paulo asseverou que a conduta ética é que dá força à exposição da Palavra: “o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra [gr. logos], mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena convicção [gr. pathos], assim como sabeis ter sido o nosso procedimento [gr. ethos] entre vós e por amor de vós” (1 Ts 1.5, ARA).
Na passagem citada, o termo ethos — de onde se originou a palavra “ética” e que diz respeito ao caráter percebido do orador — está associado a logos (o conteúdo verbal da mensagem, incluindo-se arte e lógica na sua exposição) e a pathos (o fervor, a paixão, o sentimento e a eloquência do pregador). Em outras palavras, a pregação bem-sucedida está centrada na ética cristã, a qual, segundo as cartas paulinas, abrange a conduta do crente (Ef 4.17-24), o cultivo dos bons costumes (Rm 12; 1 Co 15.33) e o relacionamento com o próximo (Rm 15.2-5).
O que é, pois, pregar a Palavra? Se a pregação antipentecostal é zombeteira, agressiva e teologicocêntrica, a pregação pseudopentecostal é performática, igualmente agressiva e antropocêntrica. Ainda que ambos os modelos enlouqueçam fãs, o modelo de pregação está na Bíblia, especialmente em 1 Coríntios 2.1-5: “E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade de palavras ou de sabedoria. Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado. E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor. A minha palavra, e a minha pregação, não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e de poder; para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus”.
Pregadores e pregadoras, preguemos — de fato — a Palavra de Deus! Julguemos o que está errado (não me oponho a isto), pois não é pecado julgar, mas façamos isso segundo a reta justiça (Jo 7.24), e não de maneira caluniosa ou difamatória (Mt 7.1,2). E sejamos humildes, lembrando sempre do alerta de Provérbios 16.18: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda”.
Ciro Sanches Zibordi