Da Redação JM Notícia
De 14 a 18 de maio acontece em Águas de Lindóia (SP) o Encontro SEPAL 2018, voltado para pastores e líderes com foco em diversas áreas, incluindo a área emocional de quem está à frente de ministérios e igrejas.
A SEPAL (Servindo Pastores e Líderes) foi uma das primeiras instituições evangélicas a se preocupar com casos de suicídio de pastores, desenvolvendo uma série de atividades para o enfrentamento destes casos.
No encontro deste ano, os organizadores promoveram diversos painéis sobre o cuidado que cada líder deve ter consigo mesmo, abordando diversos temas sobre o sentimento e reações do líder, frente aos desafios do ministério.
No auge dos casos de suicídio de pastores que abalaram o Brasil, conversamos com o pastor Walter da Mata, pastor da Assembleia de Manancial de Sobradinho (DF) e missionário da SEPAL, para falarmos sobre esse tema que causa tanto impacto.
Leia:
JM Notícia: Temos visto um número crescente de líderes evangélicos tirando a própria vida, tanto no Brasil como no exterior. Como o senhor enxerga esses casos?
Pr. Walter da Mata: É lamentável que isso aconteça, mas é um fato. Então, busco ver por duas perspectivas: as limitações próprias da humanidade e a atividade exercida.
Na primeira, pastores e pastoras, na condição de seres humanos, são sujeitos a todos os males que os cercam, inclusive o desistir da vida. Penso, que o fato não seja novo; novo talvez seja a abertura para se falar do assunto e o poder da mídia em divulgar.
A Bíblia registra momentos difíceis na vida de seus personagens; o profeta Elias, símbolo de poder e autoridade, em tempos de depressão, se isola, foge e pede a Deus que lhe tire a vida; Aitofel, viveu tamanha frustração em seu ofício e relacionamentos, que abandona a função, organiza a vida e se enforca. A lado humano dos personagens da Bíblia com seus dilemas existenciais, fica evidenciado em sua narrativa; assim também a humanidade de pastores e pastoras, enquanto homens e mulheres de Deus, está estampada nos desfechos trágicos, como suicídio, escândalos morais e desistências precoces do exercício ministerial, divulgados na mídia.
Na segunda perspectiva constatamos o quanto o ofício pastoral é estressante. Em 2010, New York Times revelou que “Os membros do clero agora sofrem de obesidade, hipertensão e depressão a taxas superiores à maioria dos americanos. Na última década, o uso de antidepressivos aumentou, enquanto sua expectativa de vida caiu. Muitos gostariam mudar de emprego, se pudessem”. Dados de pesquisa nos EUA de 2010 confirmam essa possibilidade e a realidade aponta dados muito próximos.
O Professor Francisco Lotufo Neto do Departamento de Psiquiatria da USP relata que 47% de prevalência de transtornos mentais entre pessoas do clero religioso de SP. Os seguintes transtornos se destacam: transtornos de humor (depressões), transtornos de ansiedade e transtornos do sono (Lotufo, 1997).
As seguintes áreas foram as mais citadas pelos pastores como as mais relacionadas aos casos de transtornos mentais em clérigos: Problemas financeiros, não por falta, mas por falha na gestão das finanças; Problemas de relacionamento com membros da igreja; Problemas com outros pastores; Conflitos com líderes da igreja; Problemas no seu casamento; Problemas doutrinários; Sobrecarga de trabalho.
Então, com base na pesquisa, em nossa observação de campo, pode-se afirmar que o ofício pastoral, assim como outras atividades que envolvem o cuidado de pessoas, pode se tornar desencadeadora de stress, depressão e síndrome de Burnout, itens que integram o quadro de risco de suicídio.
JM: Como podemos identificar emocionalmente doente?
Pr. Walter: Seres humanos podem lançar mão do uso de máscaras para esconder suas vulnerabilidades e limitações, com o pastor não é diferente, e não é fácil identificar um enfermo debaixo das máscaras. As máscaras mais comuns entre os pastores são:
Sucesso ministerial evidenciado por uma agenda sobrecarregada: necessidade de uma agenda sobrecarregada para manter seu significado de vida;
Perfeição: posicionar-se como se divino fosse, desqualificando as limitações de sua humanidade e necessidades;
Espiritualidade legalista: incapacidade de lidar a partir da graça com as fraquezas alheias, o desqualifica para usufruir da graça divina em suas próprias fraquezas;
Porém, mesmo com aparência de bem-estar e sucesso ministerial, alguns sinais são perceptíveis e gritantes:
Isolamento: ausência de amigos íntimos, ou seja, sem relacionamentos próximos o suficiente para poder expressar suas fragilidades. Dificuldade em confiar e desqualificação de suas necessidades são algumas das justificativas apresentadas para o isolamento;
Descontrole emocional: respostas emocionais desproporcionais aos estímulos, como exemplos, a ira exacerbada, autocomiseração diante de situações que demandam firmeza na liderança, medo que paralisa, ansiedade que o torna controlador, euforia que desqualifica quanto aos seus limites;
Não admitir fraquezas: Quando fala de si mesmo, só apresenta relatos de sucesso, desconsiderando suas limitações;
Descontrole financeiro: Dificuldade em administrar um orçamento de acordo com suas possibilidades financeiras;
Família perfeita: Necessidade de apresentar uma família perfeita, com isso, não dá permissão para que os integrantes da família vivam seus processos e resolvam seus conflitos de maneira saudável;
Paixão pelos holofotes: Desejo intenso de ser famoso e reconhecido, buscando estar sempre em posição de visibilidade, buscando sempre aprovação dos outros;
Autossuficiência: Incapacidade de necessitar a ajuda de outros;
Falta de alegria por estar com cônjuge e filhos: pois a única fonte de alegria e realização está no ministério;
JM: Como podemos identificar emocionalmente doente?
Pr. Walter: Observamos que um fator constante que se repete na vida de pastores que desenvolvem processos de depressão e outros transtornos mentais e emocionais, é o isolamento, e esse isolar-se, não se dá de forma abrupta, mas, por meio de um processo, com algum fator desencadeante e no decorrer do tempo.
O primeiro nível de isolamento, nem sempre perceptível, é em relação a Deus, o segundo é o distanciamento na relação com cônjuge ou familiares e amigos. O pastor se refugia no ativismo para evitar o contato mais próximo com as pessoas.
Nossa percepção é que o denominador comum dos principais fatores que desencadeiam os transtornos mentais são problemas nos relacionamentos. Então, para que os pastores possam desenvolver tanto sua vida pessoal e ministerial com qualidade e serem ajudados a lidar de maneira saudável e eficaz com os conflitos gerados, é necessário que desenvolvam relacionamentos próximos com outros pastores onde possam falar de suas demandas, ouvir a perspectiva de outros colegas, vivenciando assim, cuidado tanto para sua via pessoal quanto ministerial.
A mobilização para a formação de grupos de cuidado mútuo de pastores é uma proposta para fazer frente a dura realidade de quem não tem com quem ou onde partilhar suas inquietações e vulnerabilidades. Faz-se necessário também a inclusão do tema como matéria na formação teológica, com vivências que promovam o pastoreio mútuo, para que o futuro pastor possa ganhar a cultura de não andar sozinho em sua caminha ministerial.
Aqui vou usar uma figura do mundo animal: Ande no bando e assim você se protege! As ciências que nos ajudam no conhecimento de nós mesmos, colocam as pessoas em grupos, para que possam nos perceber como somos iguais, com virtudes e fraquezas. Um autor do ano 45 AD já recomendava grupos de apoio para cura das doenças da alma, Tiago 5.26: “Confessai as vossas culpas uns aos outros e orai uns pelos outros paras serdes curados”. Deus conta com pessoas para curar pessoas.
Outra observação preventiva é ao primeiro sinal de que algo não vai bem, que o pastor procure profissionais que possam identificar a presença da depressão ou qualquer outra crise que possa desembocar em suicídio. Isso pode fazer a diferença entre viver ou morrer.
JM: A SEPAL realiza trabalho de prevenção juntos aos líderes, o senhor pode explicar um pouco deste trabalho?
Pr. Walter: A SEPAL – Servindo a Pastores e Líderes tem missionários que desenvolvem projetos voltados para o pastoreio, discipulado e mentoria de pastores, pastoras e cônjuges.
Hoje temos ministérios coordenados por missionários SEPAL como Homens Mentores, Mulheres Mentoras, Mulheres em Ministério, Casais Mentores e outros voltados para esta área do cuidado do pastor e família pastoral.
No ministério Homens Mentores e Mulheres Mentoras temos assessorado projetos denominacionais de pastoreio de pastores e cônjuges e também mobilizado a formação de grupos interdenominacionais em vários estados do Brasil.
No Encontro Sepal, de 14 a 18 de maio de 2018, teremos uma sequência de palestras e painéis com ênfase no cuidado de pastores e líderes. Para falar sobre o tema teremos Roseli Künrich de Oliveira, Carlos Queiroz, Marcos Quaresma entre outros.
Walter da Mata. Pastor da Assembleia de Manancial, Sobradinho-DF, Miss SEPAL com Homens Mentores e com caminhada em Pastoreio de Pastores de 2003 (MAPI)/ Daniel Vargas – Miss SEPAL- Departamento de Pesquisas/ Ilaene Schuler – Miss SEPAL – Mulheres Mentoras