O fato de líderes religiosos elogiarem candidatos a cargos políticos durante suas celebrações não configura abuso de poder religioso nem afronta regra da Lei Geral das Eleições que proíbe propaganda política em igrejas. O entendimento é do juiz Augusto Bruno Mandelli, da 87ª Zona Eleitoral de São Paulo (Penápolis).
A ação foi movida contra o prefeito reeleito de Penápolis, Célio José de Oliveira (PSDB), e seu vice, Carlos Alberto Feltrim (PMDB), pela chapa rival Renovação e Mudança Nasce Uma Esperança (PSB, PTB e PP). O grupo alegou que os dois vencedores do pleito, então candidatos, foram elogiados durante um culto religioso na cidade pelo pastor que o ministrava.
Para as três siglas, o fato de os elogios terem durado “considerável parcela de tempo” e sido feitos ao “som de música emotiva” configuram o abuso de poder religioso. Citaram ainda que o artigo 37 da Lei 9.504/1997 proíbe propaganda eleitoral em igrejas. Os partidos pediram também que o caso fosse enquadrado como abuso de poder econômico e captação ilícita de voto.
Nenhum dos argumentos foi aceito pelo juiz eleitoral, mas o abuso de poder econômico foi tratado de maneira mais aprofundada por ele, pois não é delimitado em lei alguma, ou seja, não pode ser considerado crime. “Ainda que se possa admitir o contrário, o abuso deve estar comprovado nos autos da maneira cabal, com critérios seguros, sem margem para suposições, presunções ou influência ideológica.”
Para o julgador, os autores misturam crimes ao longo da peça inicial, citando o suposto abuso de poder religioso em alguns momentos e propaganda irregular em outras.
Trilha sonora
Mandelli disse ainda que a “considerável parcela de tempo” não passou de um pronunciamento de pouco mais de dois minutos e que a “música emotiva” não tem valor para análise jurídica, pois “não se pode esperar estilo de música diverso (funk, pagode, rap, rock ou axé) no âmbito religioso tradicional”.
“Impossível considerar 2 min 26 seg como algo significativo a ponto de caracterizar conduta abusiva. A própria representante transcreveu a fala do pastor em apenas 3 parágrafos que, somados, não preenchem a uma lauda”, escreveu na decisão.
Ele detalhou também o pronunciamento do líder religioso, que enalteceu qualidades do prefeito, mas em momento algum falou sobre campanha. “Não se discute o cargo político almejado, não há menção às propostas e nem exaltação das qualidades pessoais do candidato. Importante notar que no vídeo o então candidato – e agora prefeito reeleito – sequer pronuncia uma única palavra.”
O juiz eleitoral disse também não acreditar que líderes religiosos tenham tamanho poder a ponto de influenciar seus fiéis. “Com todo respeito, esta tese é temerária, seja por ignorar que as pessoas que praticam a religião o fazem por respeito e fidelidade ao respectivo dogma (e não propriamente ao ‘culto’ ou ao ‘pastor’ – embora possa haver certa admiração pela forma da liturgia e pela pessoa do líder), seja por esquecer que é natural e saudável que as convicções que cada eleitor traz possam influenciar na escolha dos candidatos.”
Sobre o suposto abuso de poder econômico, Mandelli critica novamente a peça, alegando que só há imputações genéricas. Em relação à captação ilícita de voto, o julgador afirmou que não houve crime porque em momento algum foi pedido apoio ao candidato.
“Não houve, por parte do pastor, violação da vontade pessoal de cada eleitor de escolher tal ou qual candidato. O pastor não pediu votos para Célio e nada indica que tenha pressionado os fiéis neste sentido”, disse, complementando que apoiar ou elogiar candidatos durante período eleitoral não caracteriza, sozinho, abuso de poder ou propaganda ilícita.
“O que caracteriza o abuso (religioso ou não) não é e não pode ser a quantidade de eleitores que o sujeito consegue atingir, mas as circunstâncias de cada caso (pedido explícito de voto, coação moral ou física, ameaça de punição ou demissão etc.). Deixando de lado a ausência de estatística sobre a quantidade de eleitores que frequentam igrejas e a de filiados a sindicatos, ONGs, etc., o fato concreto é que o abuso de poder não tem qualquer relação com o número de eleitores que possam ser atingidos”, concluiu o juiz eleitoral.