Da redação
O embaixador de Israel no Brasil desde junho de 2017, Yossi Shelley, de 61 anos, já se reuniu quatro vezes com o presidente eleito Jair Bolsonaro e não esconde o interesse de seu país de estreitar relações com o Brasil. Os objetivos são comerciais e diplomáticos.
No campo diplomático, espera o apoio brasileiro em votações na ONU. No campo comercial, Israel vai colocar à disposição do governo brasileiro tecnologia e recursos para combater os efeitos da seca. A fim de azeitar essa parceria, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prestigiará in loco a posse de Bolsonaro. “O Brasil sempre esteve contra os interesses de Jerusalém. Acho que a última votação em favor de Israel foi com Oswaldo Aranha”, diz o embaixador.
Tenente-coronel do Exército, Shelley, em entrevista a VEJA, elogia a promessa de Bolsonaro de acabar com o viés ideológico nas decisões do Itamaraty, se diz disposto ajudar no combate à criminalidade e critica a proposta do governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de usar drones com fuzis para abater marginais.
A importância da visita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ao Brasil
A importância é muito grande. Será a primeira vez que o primeiro-ministro vem ao Brasil. As declarações do futuro governo sobre parcerias entre Israel e Brasil nos deram a oportunidade de conhecer mais de perto o novo presidente, Jair Bolsonaro. E neste momento estamos fazendo um convite para trabalharmos juntos em algumas questões que podem ser desenvolvidas pelos dois países.
O senhor pode citar um exemplo?
Conversamos com o presidente Bolsonaro sobre coisas que nos interessam a respeito de votações na ONU. O Brasil sempre esteve contra os interesses de Jerusalém. Acho que a última votação a nosso favor foi com Oswaldo Aranha (presidente da primeira sessão especial da Assembleia Geral da ONU em 1947), quando criou-se o Estado de Israel.
As relações do Brasil com Israel melhorarão no governo Bolsonaro?
A vitória dele é boa para o povo brasileiro. Nos últimos 30 anos, Israel teve negócios esporádicos com o Brasil. Com o novo governo, o Brasil está subindo para a primeira liga, a liga dos empresários, a liga dos negócios de alta tecnologia, e isso é bom para vocês.
Como o Brasil pode se beneficiar dessa provável parceria?
Estamos ouvindo o presidente Bolsonaro, e ele falou que quer acabar com a seca no Nordeste, quer melhorar a segurança pública. Vamos seguir a pauta dele para chegar aos projetos que ele anunciou nas eleições. Israel é o país mais conhecido do mundo em temas como dessalinização da água, segurança pública e segurança cibernética. Podemos repassar essa experiência ao Brasil.
De que maneira isso pode ser feito?
Podemos fazer na região Nordeste do Brasil plantas de dessalinização de água, perfurando poços no interior com água salobra e depois purificando essa água. É muito importante também tratar o esgoto. No Brasil, o tratamento do esgoto não tem melhorando. É preciso fazer pequenas plantas para que toda a água que saia de uma casa entre num filtro, numa planta de purificação de esgoto. Depois de tratada, ela não poderá ser bebida, mas facilmente empregada em projetos de irrigação. Vamos oferecer ao presidente e a seus ministros uma plataforma integrada de tratamento. O presidente tem um grande desejo de acabar com a seca no Nordeste.
“O que eu gosto no discurso de Bolsonaro é que ele diz que vai separar a política dos negócios. Isso muda tudo. No governo do PT, a política é que mandava no negócio, o que é errado.”
Projetos para acabar com a seca no Nordeste sempre existiram.
Nós também falamos sobre a abertura de um fundo para investir na região, tanto nos projetos de água como nos de segurança. Um fundo a ser criado entre Brasil e Israel, de uns 100 milhões de dólares. Nossos projetos de saneamento são relativamente baratos. A ideia é que empresários e o governo peguem dinheiro emprestado desse fundo. Somos um parceiro forte, que tem muita experiência nessas áreas. Israel tem 65% de seu território formado por áreas de deserto, mas, mesmo sendo um país de semiárido, exporta flores e produtos agrícolas para a Europa.
O presidente Bolsonaro diz que vai acabar com o viés ideológico na política externa mas indicou o chanceler mais ideológico da história do Itamaraty.
O que eu gosto no discurso de Bolsonaro é que ele diz que vai separar a política dos negócios. Isso muda tudo. No governo do PT, a política é que mandava no negócio, o que é errado. Ele escolheu um diplomata de carreira, com muitos anos de Itamaraty. Ele não é político. Achamos que vai ser bom.
Jair Bolsonaro, então, está na direção certa ao tentar se aproximar dos Estados Unidos?
As pessoas podem amar ou odiar os Estados Unidos, mas os Estados Unidos são a mais forte e poderosa economia mundial. Se você tem inteligência, relaciona-se com as pessoas fortes. Se você é um bom jogador, prefere jogar na liga ‘A’, e não ser um bom jogador na liga ‘D’. É mais importante fazer dois gols na primeira divisão do que vinte gols numa divisão inferior.
Está em curso uma intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro. Como resolver o problema da violência?
Tive uma reunião com o governador eleito do Rio, Wilson Witzel. Ele está fazendo uma viagem a Israel com sua equipe para conhecer projetos na área de segurança pública. Falei com ele como tenente-coronel: só comprar câmeras e drones não acabarão com o crime.
Qual é a solução?
Se você não tiver uma solução integrada, não vai acabar com o crime. É importante atuar em todas as áreas, falar com a população, alertá-la para o perigo. É preciso educação nas escolas. É fundamental que as pessoas possam ligar para telefones nos quais não precisam se identificar para fazer denúncia, ter a população como aliada. Há também a questão prisional. Às vezes o juiz libera os bandidos porque não há lugares suficientes nas prisões. Os presídios devem cuidar dos criminosos e também da sua reeducação. Nos presídios em Israel, todos podem fazer um curso para ir para a universidade.
Como funciona o combate à criminalidade em Israel?
Você tem câmeras de monitoramento em todos os lugares e, se acontece alguma coisa, a polícia chega rapidamente. Tudo está integrado. Para cada caso de violência temos um relatório da polícia. No fim do ano há uma estatística, mostrando porque alguns casos não foram resolvidos. Há cobrança das autoridades.
Israel deve ser do tamanho de Sergipe com população de Pernambuco. Suas soluções de segurança se aplicam para um país continental com 200 milhões de habitantes como o Brasil?
Sim. Claro que sim. Se você faz um módulo para Sergipe ou se você faz um módulo duplo, para o Maranhão, você vai fazer sempre um projeto piloto. A mudança do tamanho significa que você vai precisar de mais recursos, mas não de outro sistema. O tamanho vai exigir um grande orçamento. Se você pode cuidar de Sergipe, você pode cuidar do Maranhão, você pode cuidar da Amazônia, de todos os Estados. Para cada um há uma solução, mas é preciso investir.
“As pessoas podem amar ou odiar os Estados Unidos, mas os Estados Unidos são a mais forte e poderosa economia mundial. Se você tem inteligência, relaciona-se com as pessoas fortes.”
Qual a importância da decisão do presidente Bolsonaro de anunciar a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém?
A capital de Israel sempre foi Jerusalém. Esse é um fato histórico há três mil anos. E todas as lideranças do Brasil, dos Estados Unidos, de todo o mundo, fazem suas visitas a Jerusalém. O presidente decidiu reconhecer Jerusalém como a capital, e nós estamos muito felizes. Acho que será bom para vocês também. O presidente está dizendo que a decisão de transferir a embaixada é a iniciativa do governo.
Aliás, o mundo todo – exceto Guatemala e EUA – não reconhece Jerusalém como capital de Israel. Ao fazê-lo, o Brasil não está comprovando que fará uma política externa de cunho ideológico?
Não. O presidente diz que cada estado tem a soberania de escolher sua capital. Ele diz isso, é necessário respeitar as palavras dele. Há um governo eleito e, se ele quer a capital em Jerusalém, tem que respeitar o governo eleito.
A transferência da embaixada do Brasil para Jerusalém pode atrair para o Brasil o ódio de grupos de grupos terroristas?
Estados Unidos e Guatemala transferiram a embaixada para Jerusalém e não aconteceu nada. Quantas pessoas foram mortas nas ruas do Brasil por bandidos, por criminosos? Mais de 60 000 pessoas no ano passado. Sabe quantas pessoas morreram em surtos de grupos Hamas, grupos fundamentalistas em toda a Europa este ano? Duzentas pessoas. A República Tcheca e a Austrália também vão mudar as embaixadas.
Israel tem informações sobre a existência de grupos terroristas no Brasil?
Não posso falar sobre isso. Posso falar que, quando tivemos alguns problemas na Austrália com grupos de terroristas, Israel chamou o governo australiano para conversar. Quando tivemos problemas na França, Israel chamou o governo da França e avisou.
O Brasil acaba de votar a favor de Israel na ONU na moção de condenação do Hamas. Isso foi objeto de conversa do senhor com o governo Bolsonaro?
Não precisamos conversar com ele sobre isso. Mas Jair Bolsonaro prometeu isso nas campanhas dele e isso que é importante. São palavras dele: ‘nós não vamos votar contra Israel na ONU’. Nós agradecemos ao Itamaraty. Nós agradecemos a ele. Ele é um homem de palavra, isso que é importante.
Israel, não faz muito tempo, chamou o Brasil de “anão diplomático”. Uma diplomacia, como se sabe, leva anos, décadas para se impor. Por que Israel tem tanto interesse em relacionar com um “anão diplomático”?
Não conheço esse assunto. Nós olhamos sempre para o futuro.
Mas nem todo mundo que visita Israel reconhece Jerusalém como capital do país.
Mas todos, quando chegam a Israel, vão ao primeiro-ministro, conhecem todos os lugares, conhecem os segredos de Israel, Suprema Corte, Tribunal, todos estão chegando em um lugar, Jerusalém. Isso é uma mentira? Todas as pessoas que chegam em Israel, do Brasil, de todos os lugares, todos vão para Jerusalém. Estas pessoas não dizem: ‘vamos nos encontrar em Tel-Aviv. O Parlamento, onde é? Jerusalém. Em 2010, Lula visitou Israel. Onde ele foi? Jerusalém. Isso não é ideologia, isso é coisa da política.