Começou nesta quarta-feira (12/10) o julgamento na Corte Europeia de Direitos Humanos sobre a competência judicial para analisar reclamação de um pastor. Os juízes discutem se cabe à Justiça do Trabalho arbitrar conflitos que envolvam religioso e igreja.
A reclamação foi levada à corte por um pastor da Igreja Calvinista na Hungria. Ele foi cortado dos quadros da entidade depois de um procedimento disciplinar e recorreu ao Judiciário exigindo direitos trabalhistas.
Na Hungria, a Justiça Trabalhista se declarou incompetente com o argumento de que não existe relação de trabalho entre religioso e igreja. Já a Justiça Cível disse que só poderia julgar a questão se houvesse um contrato civil, o que não era o caso.
A questão já foi discutida por uma das câmaras da corte europeia em dezembro de 2015. Por uma maioria apertada, quatro a três, os juízes consideraram que a Hungria havia agido de maneira correta. Agora, é a câmara principal do tribunal que deve julgar o apelo do pastor. Ainda não há data marcada para o anúncio da decisão final.
Brasil
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu neste ano de 2016, o vínculo de emprego entre um pastor e a Igreja Universal do Reino de Deus por entender presentes requisitos caracterizadores, como horário definido para reuniões habituais, folga semanal, natureza não eventual do trabalho no gerenciamento da igreja e participação obrigatória em cultos e programas de rádio e TV, além de remuneração mensal, com subordinação a metas de arrecadação. Com isso o processo retornará ao Tribunal Regional de Trabalho da 9ª Região (PR) para que examine as verbas decorrentes dessa relação.
O pastor foi inicialmente contratado na função de obreiro em Curitiba (PR), com salário fixo e mensal. Dois anos depois passou a atuar como pastor, até a demissão sem justa causa, após 14 anos.
Ele disse na reclamação trabalhista que era obrigado a prestar contas diariamente, sob ameaças de rebaixamento e transferência, e tinha metas de arrecadação e produção. Também recebia prêmios, como automóvel ou casa, de acordo com a produtividade, e era punido se não cumprisse as metas. Sua principal função, segundo informou, era arrecadar, recebendo indicação para pregar capítulos e versículos bíblicos que objetivavam estimular ofertas e dízimos.
Cunho religioso
O pedido de reconhecimento de vínculo empregatício foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau, com entendimento de que a atividade era de “cunho estritamente religioso”, motivada por vocação religiosa e visando principalmente a propagação da fé, sem a existência da subordinação e a pessoalidade típicas da relação de emprego.
O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) manteve a sentença. Um dos fundamentos foi o de que o pastor ingressou na igreja “movido por fatores que não se coadunam com os econômicos”, uma vez que, em sua ficha pastoral, consta como motivo de sua conversão “desenganado pelos médicos”.
TST
Para o ministro Alexandre Agra Belmonte, relator do recurso do pastor ao TST, o desempenho da função para presidir cultos, com o auxílio de liturgia, por si só, não configura vínculo empregatício, nem o trabalho de distribuir ou recomendar literatura (folhetos, livros e revistas) e atuar na TV e rádio para disseminar a fé da igreja. Da mesma forma, o recebimento de remuneração, quando não objetiva retribuir o trabalho, e sim prover o sustento de quem se vincula a essa atividade movido pela fé, também não configura o vínculo de emprego, nos termos da Lei 9.608/98, que dispõe sobre o trabalho voluntário.
No caso, porém, o ministro assinalou haver fatos e provas fartas de elementos caracterizadores do vínculo, definidos no artigo 3º da CLT. “Diante desse quadro, a ficha pastoral de ingresso na instituição e de conversão à ideologia da igreja torna-se documento absolutamente irrelevante, uma vez que o seu conteúdo foi descaracterizado pelos depoimentos, sendo o contrato de trabalho um contrato realidade, cuja existência decorre do modo de prestação do trabalho e não da mera declaração formal de vontade”, afirmou.
(Lourdes Côrtes/CF)
Processo: RR-1007.13.2011.5.09.0892