Da redação JM
Na última sexta-feira (22), durante reunião plenária do 63º encontro da Comissão sobre o Status da Mulher (CSW, na sigla em inglês), o governo brasileiro começou a operar a guinada conservadora na política externa já anunciada pelo chanceler Ernesto Araújo e pela ministra da Mulher Família e Direitos Humanos, Damares Alves.
Na reunião, o Brasil acabou se unindo ao consenso em torno do rascunho da declaração – que não tem poder vinculante sobre os Estados –, mas ressalvou pontos importantes que refletem algumas das principais demandas de juristas conservadores e de países não alinhados à agenda de promoção do aborto e da ideologia de gênero.
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“Estamos preocupados com o uso inapropriado de assuntos chaves no texto, que busca fazer avançar uma agenda com a qual não concordamos. O governo brasileiro não vai mais apoiar o uso inapropriado de termos e expressões dúbias que causaram confusão e mal entendimentos”, disse o representante brasileiro. “O Brasil considera que é necessário proteger o ambiente familiar saudável para mulheres e crianças sem ingerência ou interferência do Estado que tenha como objetivo dissolver ou enfraquecer a estrutura da família tradicional”, afirmou ainda.
Especificamente, o Brasil se dissociou, segundo o diplomata, do “uso alternado das expressões ‘gênero’ e ‘sexo’, [porque] nós consideramos que, para esses propósitos, gênero é sinônimo de sexo, e sexo é definido biologicamente como homem e mulher” e também da tentativa de “assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, porque [o Brasil] considera que essas expressões também podem fomentar a promoção do aborto. O Brasil afirma a necessidade de proteger a mulher durante a gravidez e de proteger a vida intrauterina de mulheres e homens”.
Na quarta-feira (20), em coletiva de imprensa no Itamaraty, o chanceler Ernesto Araújo já tinha afirmado que a política de Direitos Humanos do Brasil deveria mudar, para refletir a vontade do povo brasileiro. Embora Araújo não tenha fornecido detalhes sobre o que o Itamaraty pretendia fazer em conjunto com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o ministro deu a entender que os esforços brasileiros se voltarão para a defesa da vida desde a concepção, a valorização da família e o combate à ideologia de gênero.
“O que nós estamos tentando fazer é problematizar uma série de coisas que eram dadas como certas, de que o mundo estava indo para um determinado lado, que estava indo para um lado onde você não tem mais nação, onde você não mais família, onde você não tem mais homem e mulher. E o Brasil hoje é contra isso”, declarou Araújo. “Nós temos falado bastante, sobretudo, com a ministra Damares para atualizar nossa pauta de atuação nesses temas”, disse ainda. Em duas ocasiões no último mês, a ministra Damares Alves já tinha dito em organismos internacionais que a vida começa na concepção.
Próximos passos
Segundo Stefano Gennarini, Ph.D. em direito e vice-presidente do Centro de Estudos Jurídicos do Centro para a Família e os Direitos Humanos (C-Fam, na sigla em inglês), a declaração do governo brasileiro na última sexta-feira foi um bom começo, mas há um longo caminho pela frente. O C-Fam tem assento consultivo na Organização das Nações Unidas (ONU) e é um dos mais prolíficos centros de pesquisa e advocacy sobre direitos humanos em uma perspectiva conservadora no mundo.
Gennarini, que é o principal responsável pela agenda do C-Fam na ONU, destaca que os ativistas e organizações pró-vida estão entusiasmados com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) e com a aproximação de Brasil e Estados Unidos, mas ressalta que, apesar de os Estados Unidos terem avançado no tema sob a presidência de Donald Trump, nesta seara o Brasil poderia liderar os esforços mundiais, já que a ONU não é uma prioridade para os americanos, exceto nas questões que envolvem Israel – para o Brasil, ao contrário, a agenda de Direitos Humanos foi uma bandeira central na política externa desde a redemocratização.
Genarini destaca esse último ponto como central, porque reconhece que, se ficarem sem orientações claras, os diplomatas tendem a se importar mais com a agenda da instituição internacional do que com a posição do país que representam. O chanceler brasileiro Ernesto Araújo também já expressou essa preocupação, quando disse, mais de uma vez, que “o Itamaraty não pode ser uma embaixada da ONU no Brasil”.
As recentes declarações da ministra Damares Alves em instituições internacionais de que a vida começa na concepção foram vistas como positivas, mas Genarini ressalta que a chave para uma atuação bem sucedida é “que os diplomatas cuidem do dia a dia dos organismos internacionais”, onde a política é feita e, aos poucos, às vezes ao longo de décadas, mudanças fundamentais são gestadas no direito internacional.
O vice-presidente do C-Fam sugere, por exemplo, que o Brasil monte uma comissão com juristas, ativistas pró-vida e diplomatas alinhados à causa que tenham experiência no sistema ONU e no sistema Interamericano de Direitos Humanos para apresentar um plano de ações em uma discussão que reúna ministros e parlamentares pró-vida e pró-família. O país poderia então apresentar uma plataforma de ação e liderar um bloco de países na arena internacional.
Nesse plano, Gennarini, que é interlocutor de diplomatas nos organizações internacionais, avalia que os maiores aliados do Brasil na agenda de defesa da vida, Estados Unidos, Polônia, Hungria, Malta e Chile, além de, em um segundo momento, os cerca de 60 países que ainda têm legislações bastantes protetivas em relação à vida, notadamente na África e na Ásia. “Os Estados Unidos permitem o aborto desde a década de 1970, o que dificulta as coisas, mas o Brasil é um país que proíbe o aborto e, portanto, um líder natural com legitimidade para levantar essa bandeira”, avalia.
Com informações Gazeta do Povo