Por Pastor Samuel Câmara
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou recentemente que o número de candidatos usando oficialmente o título de pastor na campanha eleitoral cresceu 25% em comparação com as últimas eleições municipais (2012). Em 2016, consta que 2.759 candidatos estão utilizando a palavra “pastor” no nome de campanha; 557 usam “pastora”, e 15 usam variações como “pastorzinho” e “pastorzão”.
A crescente participação política de alguns pastores de igrejas evangélicas, de algum modo, tem incomodado e despertado a atenção de várias lideranças políticas e eclesiásticas. Como nunca, nesta eleição, podem-se ver não poucos pastores pleiteando algum cargo político. Além do mais, fazem questão de serem chamados pelo título: “pastor Fulano”, “pastor Cicrano” etc. De alguma forma, isso tem ajudado a moldar uma mentalidade de que certos pastores estão apenas se aproveitando da posição que ocupam para a obtenção de vantagem pessoal. Por isso, algumas perguntas ficam no ar e carecem de uma resposta ou explicação.
Vamos a elas. A mais importante de todas: Em que isso agradaria ao Senhor Jesus, que constitui pastores para o serviço de edificação de Sua Igreja? Até que ponto a vocação para o ministério pastoral admite militância político-partidária sem prejuízo para uma ou para ambas as partes? É lícito a um pastor deixar o seu rebanho para concorrer a um cargo público? Convém utilizar o título de pastor em campanha ou marketing eleitoral? Alguém pode, ao mesmo tempo, ter as duas vocações para tão diferentes sacerdócios?
Não há respostas fáceis e eu não gostaria de aventurar-me em nenhuma ideia simplista de tomar a defesa de um extremo em detrimento de outro. Mas as questões merecem a nossa consideração, pois têm causado perplexidade em diversos setores da sociedade. Ninguém pode negar que é perfeitamente legítimo a qualquer cidadão legalmente habilitado concorrer a qualquer cargo público. Isso é uma inquestionável garantia constitucional.
Assim, qualquer cidadão evangélico, em tese, pode exercer plenamente a sua vocação de servir à sociedade na área político-partidária. Mas quando se trata de alguém chamado para o ministério pastoral, cuja essencialidade é servir ao Corpo de Cristo, a Igreja, algumas coisas podem ser questionadas. Será que, ao deixar o rebanho que lhe foi confiado por Jesus, estará cumprindo fielmente a missão precípua de exercer o sacerdócio para a qual foi chamado? Será que descobriu estar na posição errada e decidiu se reposicionar aproveitando do nome de “pastor”? Ou, ainda, seria possível carregar em si mesmo duas vocações tão díspares?
Consideremos sobre vocação e chamada pastoral. O ministério pastoral é duplamente vocacional, pois consiste também em uma escolha especial da parte de Cristo. Mas há uma diferença básica entre chamada e vocação. Chamada é uma coisa objetiva que parte do próprio Deus. Quem é chamado certamente tem convicção disso dada por Deus. Jeremias, por exemplo, desde o ventre de sua mãe, foi chamado para ser profeta, e consta que sabia perfeitamente disso (Jr 1.5). Por outro lado, a vocação é uma tendência natural, uma disposição, um talento, uma aptidão, também concedidos por Deus, muitas vezes no nascimento.
No que diz respeito ao ministério, quando Cristo designa alguém para exercer o pastorado é porque dá graça a tal pessoa para que possa ser fiel (1Tm 1.12). E, naturalmente, demanda que assim seja (1Co 4.1,2). A grande e incontornável verdade é que os pastores foram chamados para servir à Igreja, e tudo o mais decorre disto. Por esse motivo, devem atentar para o ministério que receberam de Deus, a fim de cumpri-lo fielmente perante o Senhor, a Igreja e a sociedade (Ef 4.11; Cl 4.17).
Alguém pode indagar se tem chamada de Deus, inclusive na área político-partidária. Num sentido geral, Cristo normalmente aproveita a potencialidade de um talento natural da pessoa. Qualquer que seja a área de atuação é requerido que a pessoa esteja habilitada, e isto rege também a vocação do “sacerdócio” político. A vocação natural é uma aptidão e não um mero desejo. Não basta querer, é preciso ter aptidão para servir fielmente na tarefa para a qual foi chamado pelo próprio Senhor Jesus.
Era isso o que Paulo ensinava: “Ande cada um segundo o Senhor lhe tem distribuído, cada um conforme Deus o tem chamado. É assim que ordeno em todas as igrejas” (1Co 7.17). O apóstolo Paulo, usando o contraponto da linguagem militar, ensinou ao jovem pastor Timóteo o sentido explícito de lealdade devida a Cristo no ministério pastoral para o qual fora chamado, disse: “Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou”. E acrescentou: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2Tm 2.4,15).
Oro, pois, a Deus para que nós, pastores, tenhamos a sabedoria necessária para honrar o bom nome que o Senhor nos deu nesse digno sacerdócio de servi-lo na Sua Igreja. Prezo os pastores que, ao sentirem-se inclinados a candidatar-se, evitam o uso ostensivo do título de “pastor” que, por esta razão, vem sendo banalizado e nivelado por baixo. Admiro os pastores que se dedicam ao ministério que receberam de Deus, os quais oram e ajudam os membros da igreja local que têm vocação política a exercê-la dignamente. Penso que a igreja e a sociedade também devem levar isso em conta.
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém