Em sessão plenária da [ultima quarta-feira, 17, STF decidiu, por unanimidade, que é possível o uso de trajes religiosos que cubram a cabeça, ou parte do rosto, em fotografias de documentos oficiais de identificação.
Em fevereiro de 2024, a análise foi iniciada com a leitura do relatório pelo ministro Luís Roberto Barroso, seguida de sustentações orais. Nesta tarde, o julgamento foi encerrado.
Caso
No caso concreto, a ação civil pública foi ajuizada na instância de origem pelo MPF a partir de representação de uma freira da Congregação das Irmãs de Santa Marcelina impedida de utilizar o hábito religioso na foto que fez para renovar sua CNH. A foto da carteira anterior e de sua identidade foram feitas com o traje.
Na ação, o MPF qualificou como não razoável a vedação imposta pelo Detran do Paraná, tendo em vista que a utilização do hábito é parte integrante da identidade das Irmãs de Santa Marcelina, não se tratando de “acessório estético”.
Também argumentou que impor a uma freira a retirada do véu equivaleria a exigir que um indivíduo retire a barba ou o bigode, afrontando a capacidade de autodeterminação das pessoas. Por fim, alegou que o impedimento ao uso do traje mitiga o reconhecimento pelo Estado à liberdade de culto.
A decisão do TRF da 4ª região foi favorável à freira, reconhecendo o direito ao uso de hábito religioso em foto para a CNH, afastando aplicação de dispositivo da resolução 192/06 do Contran.
A União recorreu ao STF, defendendo o abrandamento do dispositivo constitucional em face da norma infralegal para impedir a utilização de vestuário religioso na foto para cadastro ou renovação da CNH.
Sustentou que a liberdade de consciência e de crença, assegurada pelo inciso VI do art. 5º da CF, foi limitada pelo inciso VIII, segundo o qual “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Para a União, isso significa que a liberdade religiosa não pode se sobrepor a uma obrigação comum a todos os cidadãos.
Medida excessiva
Ministro Barroso, relator da ação, entendeu que a religiosidade no mundo contemporâneo ainda ocupa espaço muito importante na vida social e no imaginário das pessoas, não sendo possível negligenciar seu papel. Assim, afirmou que o STF deve tomar decisões que prestigiam e valorizam a liberdade religiosa.
Pontuou que a CF cuida da religião sob os vetores da liberdade religiosa (de crença, culto e organização) e da laicidade estatal (inexistência de religião oficial), a qual não impede a liberdade de culto. Quanto a esta, Barroso afirmou se tratar da manifestação exterior do sentimento religioso e do papel missionário, de procurar atrair adeptos.
Assim, diante da liberdade religiosa em tensão com a segurança pública, o ministro manifestou-se no sentido da proporcionalidade, entendendo o impedimento ao uso de trajes religiosos em fotos oficiais como um exagero, uma medida desnecessária, claramente excessiva.
Para S. Exa. tal impedimento compromete a liberdade religiosa, sem impactar de maneira relevante a segurança pública, porque é possível identificar a fisionomia da pessoa mesmo com a cabeça coberta.
O ministro alertou que é possível que o uso, culturalmente, em alguns países, seja um problema, mas não o é no Brasil. Ressaltou que não há proporcionalidade ou razoabilidade na restrição, até porque, embora haja exceções, religiosos não costumam representar um perigo à sociedade.
Ao final, negou provimento ao recurso da União e propôs a seguinte tese:
“É constitucional a utilização de acessórios ou vestimentas relacionadas à crença ou religião nas fotos de documentos oficiais, desde que não impeçam a adequada identificação individual, com rosto visível.”
Confira o voto:
O presidente da Corte foi acompanhado por todos os pares. Ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli e os quais sugeriram um acréscimo na tese, para constar a visibilidade da testa, face e queixo da pessoa (“rosto visível”), conforme estabelecido na resolução 1.006 do Cotran.
Processo: RE 859.376
Fonte: Migalhas