A proposta do
ecumenismo e do diálogo inter-religioso apresentado por alguns teóricos é no mínimo sutil em seus argumentos. Ela não revela inicialmente tudo acerca dos objetivos finais do projeto.
Um exemplo disso é a proposta de diálogo inter-religioso de Teixeira e Dias, que afirma a possibilidade de fidelidade à própria tradição daquele que se abre para o tal diálogo. Para eles: “A sensibilidade no diálogo deve ser sempre acompanhada de um ancoradouro referencial. Como diz uma jovem poeta brasileira, Ana Cristina César, ‘é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço’”.[1]
A travessia para o universo do outros, segundo Teixeira e Dias, pressupõe uma clara identidade cultural e religiosa, que deve ser sempre alimenta. Nesse sentido, citam Jürgen Moltmann: “Digno do diálogo é somente quem conquistou uma posição firme na sua própria religião e vai para o diálogo com a autoconciência correspondente. Somente a domiciliação na sua própria religião capacita para um encontro com uma outra”.[2]
A abertura dialogal acontece sempre associada a um compromisso determinado, de uma tradição referencial: “Para dialogar, ninguém precisa romper com a religião de sua própria cultura e herança” (Ibd., p. 145).
Algo bem próximo de tal declaração encontramos no resumo da dissertação de mestrado de Israel Trota, ao afirmar que:
A pesquisa reflete sobre a identidade do capelão naval, sua missão, seus desafios pastorais, os saberes que que deve possuir e as atribuições deste ministério, revelando a necessidade de o capelão naval corresponder às exigências da instituição que representa, tendo a maturidade para pastorear um grupo heterogêneo e heterodoxo, dialogando com o ecumenismo e a inter-religiosidade, sem descaracterizar-se de sua confessionalidade.[3]
Discordo de Trota. Acredito que é possível exercer a atividade de capelão em qualquer instituição, socorrendo e dando assistência às pessoas em suas necessidades gerais, mas sem necessariamente ter que “dialogar” inter-religiosamente com as suas crenças e práticas heterodoxas, visto que o diálogo exige “janelas abertas”.
Na continuidade da argumentação de Teixeira e Dias, tal diálogo inter-religioso exige uma identidade aberta, em construção permanente, ou seja, embora os fundamentos da tradição de origem devam existir (pelo menos temporariamente): “As janelas devem estar sempre abertas”.[4]
A diferença entre ecumenismo e diálogo inter-religioso é especificada no site oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil –
CNBB:
O ecumenismo diz respeito à relação entre igrejas cristãs e, consequentemente, entre cristãos. Literalmente, podemos dizer que ecumenismo significa viver na mesma “casa” respeitando as diferenças. Sabe-se que há algumas divergências quanto à doutrina. Contudo, na prática da fé (caridade) e da solidariedade concreta, podemos nos unir. Isso implica buscar o que nos une e não o que nos separa. Já o diálogo inter-religioso refere-se à relação entre religiões e grupos religiosos. Buscar essa convivência respeitosa é hoje uma regra de ouro, um imperativo moral.[5]
A proposta declarada é a de uma união de crenças, onde as diferenças doutrinárias precisam ser superadas ou ignoradas. Nesse sentido, a ortopraxia deve estar acima da ortodoxia, e a compreensão de que cada religião contribui com a “sua verdade”, onde o cristianismo apresentaria apenas parte dessa verdade.
Toda crença religiosa expressa um vínculo particular: uma forma de atar o mistério sempre maior a uma imagem específica. […] O que dificulta o diálogo é a incapacidade de compreender que a realidade última não pode estar limitada às imagens particulares das crenças.[6]
É nesse ponto que passamos a citar outro teórico defensor do diálogo inter-religioso, que diferentemente de Teixeira e Dias, não mascara as pressuposições e nem os objetivos finais da proposta do diálogo inter-religioso, antes, as escancara.
Adriano Lima, no artigo intitulado “
Pentecostalismo e diálogo inter-religioso”,[7] afirma que tal diálogo seria necessário devido ao fato do cristianismo não ser portador de toda a verdade, ou seja, a revelação cristã seria inadequada em relação à plenitude da verdade última que está unicamente em Deus. Dessa forma, o pentecostalismo não pode se fechar em certezas definitivas.[8] Para Lima: “Há mais verdade religiosa em todas as religiões juntas do que em uma religião determinada […] isso se aplica também ao cristianismo”.[9]
Lima concorda com Geffré, de quem faz a seguinte citação:
A pluralidade das religiões, longe de ser um mal que é preciso progressivamente eliminar, pode contribuir para uma manifestação mais perfeita da riqueza multiforme do mistério de
Deus. Mas encontramos imediatamente a objeção: será que isso não leva, necessariamente, a relativizar o cristianismo, que tem a pretensão de ser a única religião, visto que ele só tem sentido em relação à manifestação completa e definitiva de Deus em Jesus Cristo? (GEFFRÉ, 2013, p. 73).[10]
Diante de tal cenário, Lima também afirma que a teologia pentecostal “precisa superar desafios, inserindo-se no diálogo com outras tradições religiosas”.[11] Mas tal verdade e certeza não nos são revelados e não estão fundamentados na Bíblia? Ou precisamos ainda das “verdades” do espiritismo, do islamismo, do budismo etc.? A teologia bíblica não é suficiente? Parece que para os defensores do diálogo inter-religioso a resposta é negativa. Para Lima, os princípios do Espírito de Deus, enquanto Mistério, está presente em outras culturas e religiões.[12]
O diálogo inter-religioso se justificaria ainda por ter como objetivo final a plenitude humana, e por ser “uma questão de sobrevivência, de espiritualidade, de vida, de avivamento e de salvação. Fora desse diálogo, não há salvação possível, não há pentecostalismo genuíno”.[13]
Joel Baade, no resumo do artigo intitulado “O Ecumenismo: Análise a Partir do Pensamento de Elias Wolff”, diz que:
Com fulcro na obra de Wolff (2002; 2004; 2007), este artigo registra a doutrina ecumênica, envolvendo as comunidades cristãs, partindo da premissa, formulada pelo autobase, quanto à existência de juízo de valor ético das diferentes tradições religiosas, isto é, o trabalho dividido em benefício de uma renovada irmandade entre os seres humanos e a atenção especial com o Planeta. A religião contida dentro da espiral da reconciliação. Também para as formulações doutrinais da fé cristã, há inquietações de ordem e procedência diversas que apontam para a necessidade de revisão do dogma central da unicidade e singularidade de Jesus na mediação da salvação universal. O Cristianismo deve atentar ao risco permanente do colonialismo Ocidental. O Cristianismo necessita converter-se de seu fechamento ocidental e abdicar de toda identificação entre a catolicidade do cristão e a universalidade do ocidental. Como enfatiza Wolff, não haverá paz no mundo sem paz entre as religiões.
No século XXI, o pluralismo religioso demonstra uma importância inevitável no novo cenário que se inicia. É observável uma presença crescente da diversidade religiosa no panorama mundial. Posto que ainda incipiente, faz-se mister efetuar abordagem iniciática do ecumenismo, para que a experiência continue avançando.[14]
Diante do aqui exposto, é necessário que o máximo de irmãos pentecostais e de outras tradições tomem conhecimento dos fatos, para que não sejam enganados por um discurso aparentemente piedoso e humilde, mas cuja proposta última é a desconstrução e a relativação da fé cristã.
Seguindo a verdade em amor,
[1] TEIXEIRA, Faustino; DIAS, Zwinglio Mota. Ecumenismo e diálogo inter-religioso: a arte do possível. Aparecida, SP: Editora Santuário, 2008, p. 145.
[4] TEIXEIRA; DIAS, ibid., p. 146.
[6] TEIXEIRA; DIAS, ibid., p. 147.
[7] LIMA, Adriano Sousa. Pentecostalismo e diálogo inter-religioso. In: OLIVEIRA (Org.). Pentecostalismos em diálogo, ibid., p. 35-46.
[14] BAADE, Joel Haroldo. O Ecumenismo: Análise a Partir do Pensamento de Elias Wolff. Joinville, SC: Faculdade Refidim, Revista Azusa, v. 6, nº 1, 2015.